segunda-feira , 23 dezembro , 2024

Crítica Netflix | Anitta Made in Honório é o Furacão PopFunk Brasileiro na Intimidade e na Irreverência

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Quando a parceria entre Anitta e Netflix começou com Vai Anitta (2018), poucas pessoas acreditavam numa segunda investida da produtora de streaming na cantora. Afinal, na época, a recepção era em torno dos clipes do projeto checkmate, tendo como expoente o polêmico e criticado “Vai Malandra” e não teve grande repercussão. Se no primeiro, o foco era no pontapé da sua carreira internacional, Anitta Made in Honório é a origem da cantora, seu dia a dia em família, seus arroubos de fúria e sua liberdade sexual. Da mulher casada e lutando por um lugar ao sol, Anitta agora apresenta uma faceta mais despojada e íntima, da perspectiva do conto de fadas que virou realidade.  

Esta segunda série mostra mais memórias do início da carreira de Larissa de Macedo Machado, nome de batismo da cantora, e seu lado familiar. O centro dos seis episódios é a apresentação no Rock in Rio, em outubro de 2019. Como um divisor de águas na aceitação do público brasileiro, as câmeras acompanham a composição do projeto desde a maquete até o dia do show e a sua reapresentação gratuita no Parque de Madureira, em dezembro do mesmo ano. A montagem da série trouxe uma dinâmica convidativa, a qual prioriza o ícone musical, ao mesmo tempo que expõe questões pessoais, e finaliza de forma emocionante. 



Como produto de mídia, Anitta Made in Honório é melhor roteirizado e editado que seu antecessor e, portanto, mais magnético ao público. Seja aos fãs da cantora, seja aos curiosos pela ascensão da jovem de 27 anos, da periferia de Honório Gurgel ao Top Hot 100 da Billboard. Ou seja, as quase 3h de projeção passam de forma rápida, dançante e divertida. Anitta possui carisma para entreter as pessoas e as câmeras ao seu redor; ao passo que suas falas são indecorosas para a família tradicional brasileira, mas a intenção é realmente deixar as pessoas sentirem-se próximas da cantora. Não por acaso ela apresentou um programa no Multishow dentro da sua casa, durante o confinamento. 

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Este ano, mesmo com o ritmo mundial desacelerado, Anitta esteve presente na mídia de diversas formas, pelas suas interações no Twitter, conversas no Instagram e intromissão em pautas políticas. Em outras palavras, o seu nome foi sinônimo de repercussão. Como artista, Anitta não para de inventar e produzir, ou seja, se ela não para de entregar, as pessoas não param de consumir. A série documental começa com seu contrato como Chefe de Criação de Produtos da Ambev e a sua palestra em Harvard. Os momentos são curtos, mas estão lá para mostrar a mulher empreendedora e patroa de uma marca prestes a tornar-se mundial… o álbum Girl From Rio já é um dos mais esperados para o início de 2021. 

Em Anitta: Made in Honório, dois momentos tornam-se imperativos à nossa atenção. O primeiro é a revelação de estupro sofrido pela cantora aos 14 anos. Entre lágrimas, ela conta que sentiu-se coagida por um homem “nervoso” e “autoritário” com quem se relacionava.  Assim, a própria tenta refletir o episódio na sua vida: “Faz muito pouco tempo que eu parei de achar que isso é culpa minha, que eu parei de achar que eu causei isso para mim. E eu sempre tive medo do que as pessoas iam falar. Como ela pode ter sofrido isso e hoje ser tão sexual, ser tão aberta? Eu não sei”. 

O segundo momento é um “esporro” recheado de palavrões direcionado à sua equipe de produção do Rock in Rio. Por telefone, Anitta grita e desqualifica o trabalho das pessoas. Se a gente tira a “artista” e coloca qualquer “chefe de equipe” a repetir as mesmas palavras, a mensagem de assédio moral é evidente. Aliás, uma das grandes mensagens do documentário é que Anitta é centralizadora, autoritária e pouco eficaz em agradecer às pessoas que trabalham ao seu redor. 

Seu irmão, por exemplo, emociona-se ao dizer o quão ingrata ela aparenta ser e as reviradas de olhos dos seus estilistas, maquiadores e dançarinos mostram o cenário arrasador dos mandos e desmandos de Anitta. Se ela orgulha-se do comportamento dominador, não é possível precisar, mas nos seus depoimentos à câmera, ela deixa claro que o seu sucesso está ligado à essa postura. Para o espectador, as palavras atravessadas da Anitta à sua equipe fazem parte da mise-en-scène. Afinal, em uma cena, após soltar os cachorros, ela é consolada pelo grupo Black Eyed Peas e reafirma sua postura de liderança por meio da grosseria. 

Seus rompantes de sinceridade também, Anitta repete algumas vezes sobre a dificuldade de encontrar alguém para fincar sua bandeira. Algumas pessoas rondam a sua casa com emoticons no rosto, mas no fim das contas não tem ninguém capaz de lhe tirar o fôlego. Por isso, ela fala abertamente de levar um vibrador, camisinhas e lubrificante para sua viagem a um ski resort. Além disso, ela encena um encontro sexual com um parceiro, segundo ela, muito bem dotado. Ou seja, Anitta fala com a sua família e as câmeras, tal como qualquer pessoa compartilha suas aventuras amorosas com os amigos. A propósito, família é a palavra-chave da docussérie. Seus pais, o irmão e o “novo” irmão estão o tempo todo ao seu lado.

Entre críticas e adoração do comportamento de Larissa, Anitta Made in Honório é uma série documental de qualidade centrada na evolução da menina sonhadora que viu na Furacão 2000 uma chance de ser descoberta. Vista, ouvida e admirada, Anitta volta às origens para compartilhar suas canções, seu show e fazer as pessoas dançarem ao seu ritmo, seja ele qual for, do funk ao pop, passando pelo reggaeton e modinha. Comparada aos documentários de cantoras pop, como Lady Gaga, Taylor Swift e Beyoncé, Anitta está caminhando para ter o seu próprio filme, por enquanto seus passos estão na missão de entreter a plateia e, assim, se cumpre.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Crítica Netflix | Anitta Made in Honório é o Furacão PopFunk Brasileiro na Intimidade e na Irreverência

Quando a parceria entre Anitta e Netflix começou com Vai Anitta (2018), poucas pessoas acreditavam numa segunda investida da produtora de streaming na cantora. Afinal, na época, a recepção era em torno dos clipes do projeto checkmate, tendo como expoente o polêmico e criticado “Vai Malandra” e não teve grande repercussão. Se no primeiro, o foco era no pontapé da sua carreira internacional, Anitta Made in Honório é a origem da cantora, seu dia a dia em família, seus arroubos de fúria e sua liberdade sexual. Da mulher casada e lutando por um lugar ao sol, Anitta agora apresenta uma faceta mais despojada e íntima, da perspectiva do conto de fadas que virou realidade.  

Esta segunda série mostra mais memórias do início da carreira de Larissa de Macedo Machado, nome de batismo da cantora, e seu lado familiar. O centro dos seis episódios é a apresentação no Rock in Rio, em outubro de 2019. Como um divisor de águas na aceitação do público brasileiro, as câmeras acompanham a composição do projeto desde a maquete até o dia do show e a sua reapresentação gratuita no Parque de Madureira, em dezembro do mesmo ano. A montagem da série trouxe uma dinâmica convidativa, a qual prioriza o ícone musical, ao mesmo tempo que expõe questões pessoais, e finaliza de forma emocionante. 

Como produto de mídia, Anitta Made in Honório é melhor roteirizado e editado que seu antecessor e, portanto, mais magnético ao público. Seja aos fãs da cantora, seja aos curiosos pela ascensão da jovem de 27 anos, da periferia de Honório Gurgel ao Top Hot 100 da Billboard. Ou seja, as quase 3h de projeção passam de forma rápida, dançante e divertida. Anitta possui carisma para entreter as pessoas e as câmeras ao seu redor; ao passo que suas falas são indecorosas para a família tradicional brasileira, mas a intenção é realmente deixar as pessoas sentirem-se próximas da cantora. Não por acaso ela apresentou um programa no Multishow dentro da sua casa, durante o confinamento. 

Este ano, mesmo com o ritmo mundial desacelerado, Anitta esteve presente na mídia de diversas formas, pelas suas interações no Twitter, conversas no Instagram e intromissão em pautas políticas. Em outras palavras, o seu nome foi sinônimo de repercussão. Como artista, Anitta não para de inventar e produzir, ou seja, se ela não para de entregar, as pessoas não param de consumir. A série documental começa com seu contrato como Chefe de Criação de Produtos da Ambev e a sua palestra em Harvard. Os momentos são curtos, mas estão lá para mostrar a mulher empreendedora e patroa de uma marca prestes a tornar-se mundial… o álbum Girl From Rio já é um dos mais esperados para o início de 2021. 

Em Anitta: Made in Honório, dois momentos tornam-se imperativos à nossa atenção. O primeiro é a revelação de estupro sofrido pela cantora aos 14 anos. Entre lágrimas, ela conta que sentiu-se coagida por um homem “nervoso” e “autoritário” com quem se relacionava.  Assim, a própria tenta refletir o episódio na sua vida: “Faz muito pouco tempo que eu parei de achar que isso é culpa minha, que eu parei de achar que eu causei isso para mim. E eu sempre tive medo do que as pessoas iam falar. Como ela pode ter sofrido isso e hoje ser tão sexual, ser tão aberta? Eu não sei”. 

O segundo momento é um “esporro” recheado de palavrões direcionado à sua equipe de produção do Rock in Rio. Por telefone, Anitta grita e desqualifica o trabalho das pessoas. Se a gente tira a “artista” e coloca qualquer “chefe de equipe” a repetir as mesmas palavras, a mensagem de assédio moral é evidente. Aliás, uma das grandes mensagens do documentário é que Anitta é centralizadora, autoritária e pouco eficaz em agradecer às pessoas que trabalham ao seu redor. 

Seu irmão, por exemplo, emociona-se ao dizer o quão ingrata ela aparenta ser e as reviradas de olhos dos seus estilistas, maquiadores e dançarinos mostram o cenário arrasador dos mandos e desmandos de Anitta. Se ela orgulha-se do comportamento dominador, não é possível precisar, mas nos seus depoimentos à câmera, ela deixa claro que o seu sucesso está ligado à essa postura. Para o espectador, as palavras atravessadas da Anitta à sua equipe fazem parte da mise-en-scène. Afinal, em uma cena, após soltar os cachorros, ela é consolada pelo grupo Black Eyed Peas e reafirma sua postura de liderança por meio da grosseria. 

Seus rompantes de sinceridade também, Anitta repete algumas vezes sobre a dificuldade de encontrar alguém para fincar sua bandeira. Algumas pessoas rondam a sua casa com emoticons no rosto, mas no fim das contas não tem ninguém capaz de lhe tirar o fôlego. Por isso, ela fala abertamente de levar um vibrador, camisinhas e lubrificante para sua viagem a um ski resort. Além disso, ela encena um encontro sexual com um parceiro, segundo ela, muito bem dotado. Ou seja, Anitta fala com a sua família e as câmeras, tal como qualquer pessoa compartilha suas aventuras amorosas com os amigos. A propósito, família é a palavra-chave da docussérie. Seus pais, o irmão e o “novo” irmão estão o tempo todo ao seu lado.

Entre críticas e adoração do comportamento de Larissa, Anitta Made in Honório é uma série documental de qualidade centrada na evolução da menina sonhadora que viu na Furacão 2000 uma chance de ser descoberta. Vista, ouvida e admirada, Anitta volta às origens para compartilhar suas canções, seu show e fazer as pessoas dançarem ao seu ritmo, seja ele qual for, do funk ao pop, passando pelo reggaeton e modinha. Comparada aos documentários de cantoras pop, como Lady Gaga, Taylor Swift e Beyoncé, Anitta está caminhando para ter o seu próprio filme, por enquanto seus passos estão na missão de entreter a plateia e, assim, se cumpre.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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