sexta-feira, abril 19, 2024

Crítica Netflix | Ninguém Sabe Que Estou Aqui é belo e reflexivo debute de diretor chileno

Quem eu deveria ser? Esta é a pergunta filosófica que permeia toda a obra do chileno Gaspar Antilho. A partir de um questionamento entre o ser e o pertencer, representado pelo protagonista Memo (Jorge Garcia), Ninguém Sabe que Estou Aqui (Nadie Sabe Que Estoy Aquí) mescla os sentimentos de angústia e melancolia em cada sequência. Até que ponto a indagação do estreante diretor e roteirista vai ao encontro das inquietudes daqueles que a observa? É nesta provocação identitária que o filme revela sua relevância discursiva. 

Com um formato mais imagético do que o cinema atual costuma propor, o filme dispõe de questões mais complexas do que se permite mostrar. A beleza da produção, portanto, é exatamente esta contingência de dizeres com o intuito, possivelmente, da experimentação do vazio e do isolamento vivenciados por Memo. Já na primeira cena, uma trama é posta em evidência: o roubo de uma bela voz com a intenção de esconder um corpo desproporcional aos desejos sociais estéticos. 

O trabalho de Garpas Antilho é justamente explorar esta aparência robusta, corpulenta e volumosa do ator Jorge Garcia, conhecido majoritariamente pelos seriados Lost (2004-2010) e Hawaii Five-0 (2013-2019), em contraponto a sua tímida presença social. Aliás a atuação do norte-americano é surpreendente e se apoia na teoria do teatrólogo Stanislavski sobre o subtexto, isto é, a representação visual de tudo aquilo que não está escrito explícito no texto dramático. Jorge Garcia atua com seu silêncio e corpo, sendo o último o melhor instrumento do ator.

O seu deslocamento da realidade é sentido entre a observação dos verdes das matas ao balançar do ruído do vento e o manto colorido que recobre os seus ombros ao entregar-se (ainda que com os fones de ouvido) aos acordes de sua própria voz. Ao mesmo tempo que nos oferece uma derivação de sentidos, Gaspar Antilho manipula mistérios, estes enrolados em sutis pontos de tensão, o que torna a história ainda mais envolvente e sem visões maniqueístas das ações dos personagens. 

Conforme descobrimos que Memo não deseja esconder a sua voz, nem o seu corpo e, pelo contrário, é o que ele intensamente anseia em mostrar, valores são reconstruídos durante a narrativa. Todavia, o percurso do protagonista até a sonhada explosão dos seus pulmões sob os holofotes e a admiração do público é pavimentado de obstáculos, tragédias e culpa. De volta à pergunta no início do texto, o desafio de Memo é tentar encontrar o “e se fosse diferente?” dentro de si, enquanto ele lava grossas peles de carneiro como uma tarefa para estancar a dor. 

Em determinado momento, sua contrição de anos é colocada para fora em uma sequência ao mesmo tempo triste, bela e repulsiva do jorro do vômito do sofrimento. O pequeno paradoxo é preenchido vagarosamente, enquanto tentamos lidar com a revolta de uma vida aprisionada, a narrativa nos apresenta outra forma de prisão vivida pelo antagonista Angelo, interpretado pelo argentino Gastón Pauls, mais conhecido pelo seu trabalho em Nove Rainhas (2000). 

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Em diversos momentos, a narrativa é recheada pelos versos da canção título Nobody Knows I’m Here, a qual fala sobre a busca de um sujeito por pertencimento e aceitação. Ao lado de Memo, a esguia Marta (Millaray Lobos) funciona como uma peça de estímulo, caos e redenção. Por dela, é apresentada uma breve mensagem e reflexão sobre a permissão da entrada de pessoas em nossas vidas. Mesmo que a chegada de um outro indivíduo possa ser determinante para a realização de mudanças. Este outro, no entanto, nunca responderá a pergunta da primeira frase do texto. 

Em outras palavras, Ninguém Sabe que Estou Aqui é um obra de arte sensível e explora reflexões sobre o nosso espaço de pertencimento e presença, não apenas físicos, porém existenciais. Sendo este o primeiro longa-metragem de Gaspar Antilho, ele começa a sua carreira a desafiar o público. Desse modo, ele também brinca com o melhor aspecto do cinema, a projeção de nossas fantasias e desejos a partir de elementos poéticos.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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