terça-feira , 5 novembro , 2024

Crítica Netflix | Os Segredos de Madame Claude – Cinebiografia da Imperatriz do Sexo na França

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Durante as décadas 1960 e 70, Madame Claude (Karole Rocher), cujo nome verdadeiro era Fernande Grudet, chefiava uma enorme rede de prostituição de luxo em Paris. Seus clientes eram políticos, artistas e grandes empresários, entre eles Marlon Brando e J.F. Kennedy. Com esta premissa,  apresenta uma contexto instigante e atiça a nossa atenção sobre uma mulher comandante de um império do sexo. A constituição dos fatos, no entanto, é enrolada e a protagonista perde destaque para a coadjuvante Sidonie (Garance Marillier), enquanto a trama política é deixada em plano secundário. 

Planejado a priori para ser lançado nos cinemas, o longa de Sylvie Verheyde (Confissões de um Jovem Apaixonado) chega ao Brasil e ao mundo através da Netflix, a partir de 2 de abril. Conhecida na França como a “Cafetina da República”, a história de Madame Claude era uma promessa de intrigas, jogos de poder e o sexo como ferramenta de manipulação. A narrativa em primeira pessoa, no entanto, exibe um caráter mais introspectivo e um recital de memórias da “mafiosa”. 

A primeira parte do roteiro apresenta Madame Claude já no poder de negociação com a polícia e os seus protetores no ano de 1968. O plot inicial é a chegada de novas  integrantes à sua equipe de mais de 200 garotas de programa. Assim, entram em cena a misteriosa Sidonie (Garance Marillier) e a ingênua Virginie (Liah O’Prey), as quais terão destinos completamente opostos na trama. O poder de dominação de Claude é apresentado no trato com as meninas e seus relacionamentos fugazes com os homens.

Em breves relatos, a narradora condensa o seu percurso em uma criação provinciana, uma gravidez indesejada, uma desilusão amorosa aos 25 anos e uma tentativa de suicídio. Ela deixa a filha com a mãe no interior e começa a construir sua vida pelas calçadas de Paris. O discurso é forte, contudo, Karole Rocher (Madame Hyde) não é tão eloquente na pele da protagonista e, por isso, a jovem atriz francesa Garance Marillier, conhecida pelo papel de Justine no terror Raw (2016), toma a cena. 

Se no começo, a nova contrata Sidonie apresenta-se como uma profissional do sexo nata e refinada, isto é, fria e burguesa, ela também encena um papel dúbio entre pupila e traidora. No desenrolar da história, o seu personagem é sugerido como o provocador da queda de Madame Claude de modo desconexo com a realidade e, até mesmo, banal. Protegida pelo governo francês e dona de uma invejável conexão com homens poderosos, Madame Claude era um mito no mundo dos negócios e tinha uma sensualidade de saltar aos olhos, tanto para suas agenciadas quanto para os seus clientes, os quais ela chamava de “amigos”. 

Os favores que ela concedia aos interesses políticos do período dos ex-presidentes Charles De Gaulle e Georges Pompidou são os motivos de colocá-la em uma posição de poder, privilégio e, ao decorrer do tempo, risco. A produção, no entanto, não abrange grandes explicações da sua queda e formula discussões tais como “os tempos mudaram”, além de colocar o pai de Sidonie como um dos vilões ao lado do incógnito homem do governo (Pierre Deladonchamps). 

Anteriormente, o caso de Madame Claude ganhou as telonas pelas mãos do cineasta Just Jaeckin em 1977. Ele é responsável pelos clássicos eróticos Emmanuelle (1974) e A História de ‘O’ (1975), portanto, a primeira adaptação tinha uma potência muito mais sensual do que a realizada em 2020. Obviamente, o sexo e a nudez estão presentes na versão apresentada pela Netflix, mas de forma mais branda. O olhar do filme é sobre a mulher no poder e a derrocada do seu império. 

Em contrapartida, Os Segredos de Madame Claude perde o fôlego próximo aos seus 30 minutos finais. Perseguida por uma ameaça fantasma, a chefona vê-se obrigada a abandonar o país, contudo ela volta à França em 1985 e tenta retomar os seus negócios em 1992. Todo esse período do exílio ao retorno à sua pátria é contato de forma ligeira e sem capricho. O ritmo se perde e as imagens se apoiam na narrativa em tom monótono e repetitivo de Karole Rocher, a qual trabalhou com a diretora em outros três longa-metragens.

Com sua fiel atriz, Sylvie Verheyde compôs uma obra metódica e comezinha para uma personagem ousada e manipuladora. Além do pouco cuidado com a temporalidade e uma mistura inadequada de cenas reais de Fernande Grudet, completamente diferente da protagonista, Os Segredos de Madame Claude transforma uma mítica intriga policial e política em um relato simplificado do poder da prostituição na França e o castigo da sua exploradora. A decepção é tal como se em Prenda-me se for Capaz (2002), o charmoso falsário Frank Abagnale Jr. (Leonardo DiCaprio) fosse interpretado por David Schwimmer (da série Friends) e resumido como um simples criminoso.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Planejado a priori para ser lançado nos cinemas, o longa de Sylvie Verheyde (Confissões de um Jovem Apaixonado) chega ao Brasil e ao mundo através da Netflix, a partir de 2 de abril. Conhecida na França como a “Cafetina da República”, a história de Madame Claude era uma promessa de intrigas, jogos de poder e o sexo como ferramenta de manipulação. A narrativa em primeira pessoa, no entanto, exibe um caráter mais introspectivo e um recital de memórias da “mafiosa”. 

A primeira parte do roteiro apresenta Madame Claude já no poder de negociação com a polícia e os seus protetores no ano de 1968. O plot inicial é a chegada de novas  integrantes à sua equipe de mais de 200 garotas de programa. Assim, entram em cena a misteriosa Sidonie (Garance Marillier) e a ingênua Virginie (Liah O’Prey), as quais terão destinos completamente opostos na trama. O poder de dominação de Claude é apresentado no trato com as meninas e seus relacionamentos fugazes com os homens.

Em breves relatos, a narradora condensa o seu percurso em uma criação provinciana, uma gravidez indesejada, uma desilusão amorosa aos 25 anos e uma tentativa de suicídio. Ela deixa a filha com a mãe no interior e começa a construir sua vida pelas calçadas de Paris. O discurso é forte, contudo, Karole Rocher (Madame Hyde) não é tão eloquente na pele da protagonista e, por isso, a jovem atriz francesa Garance Marillier, conhecida pelo papel de Justine no terror Raw (2016), toma a cena. 

Se no começo, a nova contrata Sidonie apresenta-se como uma profissional do sexo nata e refinada, isto é, fria e burguesa, ela também encena um papel dúbio entre pupila e traidora. No desenrolar da história, o seu personagem é sugerido como o provocador da queda de Madame Claude de modo desconexo com a realidade e, até mesmo, banal. Protegida pelo governo francês e dona de uma invejável conexão com homens poderosos, Madame Claude era um mito no mundo dos negócios e tinha uma sensualidade de saltar aos olhos, tanto para suas agenciadas quanto para os seus clientes, os quais ela chamava de “amigos”. 

Os favores que ela concedia aos interesses políticos do período dos ex-presidentes Charles De Gaulle e Georges Pompidou são os motivos de colocá-la em uma posição de poder, privilégio e, ao decorrer do tempo, risco. A produção, no entanto, não abrange grandes explicações da sua queda e formula discussões tais como “os tempos mudaram”, além de colocar o pai de Sidonie como um dos vilões ao lado do incógnito homem do governo (Pierre Deladonchamps). 

Anteriormente, o caso de Madame Claude ganhou as telonas pelas mãos do cineasta Just Jaeckin em 1977. Ele é responsável pelos clássicos eróticos Emmanuelle (1974) e A História de ‘O’ (1975), portanto, a primeira adaptação tinha uma potência muito mais sensual do que a realizada em 2020. Obviamente, o sexo e a nudez estão presentes na versão apresentada pela Netflix, mas de forma mais branda. O olhar do filme é sobre a mulher no poder e a derrocada do seu império. 

Em contrapartida, Os Segredos de Madame Claude perde o fôlego próximo aos seus 30 minutos finais. Perseguida por uma ameaça fantasma, a chefona vê-se obrigada a abandonar o país, contudo ela volta à França em 1985 e tenta retomar os seus negócios em 1992. Todo esse período do exílio ao retorno à sua pátria é contato de forma ligeira e sem capricho. O ritmo se perde e as imagens se apoiam na narrativa em tom monótono e repetitivo de Karole Rocher, a qual trabalhou com a diretora em outros três longa-metragens.

Com sua fiel atriz, Sylvie Verheyde compôs uma obra metódica e comezinha para uma personagem ousada e manipuladora. Além do pouco cuidado com a temporalidade e uma mistura inadequada de cenas reais de Fernande Grudet, completamente diferente da protagonista, Os Segredos de Madame Claude transforma uma mítica intriga policial e política em um relato simplificado do poder da prostituição na França e o castigo da sua exploradora. A decepção é tal como se em Prenda-me se for Capaz (2002), o charmoso falsário Frank Abagnale Jr. (Leonardo DiCaprio) fosse interpretado por David Schwimmer (da série Friends) e resumido como um simples criminoso.

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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