terça-feira, abril 23, 2024

Crítica | O Menino que Descobriu o Vento – Drama africano possui mensagem fortíssima

Baseado na história real do malawiano William Kamkwamba, O Menino que Descobriu o Vento (The Boy Who Harnessed the Wind) tinha todos os elementos para ser uma obra de desespero e redenção. Nas mãos de Chiwetel Ejiofor (12 Anos de Escravidão), no entanto,  o roteiro constrói uma longa ponte de contextualização e explicações para que o título, enfim, torna-se uma realidade. Como o final da história não é a surpresa, o encantador do filme é mergulhar na discussão cultural, política e social do Malawi.

Para realizar este filme, Ejiofor dedicou alguns anos em conhecer a cultura e a língua local malawiana, tanto que 80% da obra é falada no idioma local, o nianja, e pontuada (principalmente em território escolar) em inglês. Logo no início, o filme apresenta a família orgulhosa de William (Maxwell Simba) por vestir o uniforme e ir à escola secundária da região. A educação e a sua importância transformadora é a grande mensagem do filme, sendo ressaltada sempre que possível.

Partindo do microssistema da família Kamkwamba e o seu vilarejo, o diretor e roteirista estreante aborda as questões macros de exploração, democracia de fachada, mudanças climáticas e meio ambiente. Centrado na dinâmica familiar, o fazendeiro Trywell Kamkwamba (Chiwetel Ejiofor) tem que fazer a difícil escolha de abrir mão da educação dos filhos para preservar suas terras, meio de subsistência de todos. A temporada de chuvas, contudo, os deixam sem colheita e à mercê das companhias de tabaco, as quais assediam suas terras.

Em consequência de derrubada de árvores na região, as águas das chuvas inundam as plantações, devastando toda a colheita. Com a falta de previsão de chuvas e um sistema de irrigação, em conjunto com a política mundial externa, o povoado de Malawi vê-se perto da situação de fome. De forma brilhante e simples, o roteiro nos situa no tempo por meio da cena quando William demonstra como fazer o rádio voltar a funcionar através da geração de energia para os amigos, enquanto eles buscam escutar o futebol passa a notícia do atentado às Torres Gêmeas nos Estados Unidos.

Essa questão não é apenas um marcador temporal, mas também mais um dos fatores de desespero da população sujeita ao descaso do governo. Cada cena é lapidada para apresentar o ambiente de opressão, desesperança e letargia em relação ao resto do mundo, nos transportando para a perspectiva de vida de William. Por exemplo, na ausência de luz, o menino não consegue estudar a noite e é obrigado a deixar a sala de aula por falta de pagamento. William reconhece a educação como um privilégio, a qual ele tenta alcançar por outros meios, como visitas à biblioteca.

Apesar de serem os coadjuvantes dessa narrativa, os pais Trywell e Agnes (Aïssa Maïga) são os pilares de cada linha traçada por William, desde a sua curiosidade até a sua aptidão de acreditar em suas ações. Uma das cenas mais emocionantes e bonitas ocorre já na parte final do longa, quando logo depois da filha mais velha Annie (Lily Banda) abandonar a família para ser uma boca a menos para alimentar, Agnes pergunta ao marido: “Quando vamos parar de perder?” e grossas lágrimas escorrem pelos olhos de ambos, enquanto o seu bebê permanece em suas costas seguro pelo sling.

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O questionamento vem do confronto entre pai e filho baseado na descrença de um e na teimosia de outro, respectivamente. Após tentar construir um dínamo por conta própria sem sucesso, ele pede em desespero que a irmã peça ao professor Mike Kachigunda (Lemogang Tsipa) o dínamo da bicicleta dele. Ela entrega e vai embora com o professor para viver romance escondido deles.

Com o dínamo em mãos, William começa a sua trajetória para convencer os amigos que ele é capaz de trazer água para região por meio dos ventos. Primeiro, ele constrói um pequeno projeto para provar o seu ponto de vista e os amigos passam a apoiá-lo logo que veem o rádio tocar através das correntes geradas do vento em uma pequeno catavento. Para fazer a bomba d’água funcionar, entretanto, ele precisa de um moinho, ou seja, muito mais material e, principalmente, trabalho em conjunto.

Quando já passou mais de um uma hora e meia de filme, William ainda está em busca de construir o seu projeto. A narrativa detalhista evidencia as relações familiares e principalmente a estima de perseverança independente da pouca credibilidade de um menino de 13 anos perante os adultos. Seu próprio pai recusa o desmonte da sua bicicleta para construir um moinho, afinal ele não conhece nada sobre eletricidade e o projeto pode parecer impossível aos leigos.

Com vigorosas atuações, O Menino que Descobriu o Vento apresenta reflexões avassaladoras de como a gente lida com o privilégio do conhecimento e as condições de vida adversas de forma banalizada. Quantas vezes lemos sobre o Malawi, sobre a sua gente e os seus problemas? Chiwetel Ejiofor faz os espectadores pararem de olhar para o próprio umbigo por duas horas e reconhecer os méritos de William Kamkwamba, além de como um ato de persistência pode mudar a vida de milhares.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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