Crítica | ‘Them: The Scare’ é deliciosamente MACABRA e angustiante

Crítica livre de spoilers.

Em 2021, o Prime Video lançava a primeira temporada da ambiciosa série ‘Them’ – um compilado de dez episódios de terror psicológico que seguia os passos de Jordan Peele para trazer pautas raciais ao cenário mainstream e utilizá-las como base para o gênero em questão. Em pouco tempo, a popularidade da produção provou ser uma faca de dois gumes, sendo criticada, sem quaisquer fundamentos, por inúmeros setores da sociedade: de um lado, conservadores tradicionalistas afirmaram que a narrativa apontava os brancos como vilões impassíveis e hediondos (algo que, em meados dos anos 1950, não passava longe da verdade); de outro, jornalistas e críticos disseram que o enredo prezava por um “black trauma porn” ao colocar os personagens negros em situações de puro desprezo e violência gráfica (quando, na verdade, apenas retratava o que acontecia a eles à época).

De qualquer forma, imaginávamos que a plataforma de streaming já havia finalizado a narrativa em questão, considerando o longo tempo que nenhuma atualização sobre um possível segundo ciclo era-nos dada. Tal qual foi nossa surpresa quando, no começo do ano, o Prime Video revelou que estava se preparando para lançar a segunda temporada de uma recém-firmada antologia. Carregando o título de ‘Them: The Scare’, a trama nos convidou a um salto no tempo de quase quatro décadas, nos levando ao início da década de 1990 e apresentando uma história totalmente nova – mas que é movida por similaridades gritantes com a ideia original de Little Marvin e de seu time de produtores.

O inédito ciclo, composto por oito episódios de puro choque cenográfico e de reviravoltas constantes e surpreendentes, parece ter justificado a ideia da iteração predecessora – pegando elementos filosóficos cunhados na passagem do século XX para o XXI para provar que a questão racial e o contínuo sofrimento da população negra é infindável, não importa quantos anos se passem. De forma assustadoramente análoga, os obstáculos enfrentados são quase anacrônicos, repetidos em um ciclo sem fim que serve como base crítica para que compreendamos uma luta interminável por respeito e pelos mesmos direitos (e é aí que surge a controversa e absurda beleza da série, em especial desta nova temporada).

Aqui, acompanhamos a Detetive Dawn Reeve (Deborah Ayorinde), que trabalha para o Departamento de Polícia de Los Angeles na seção de homicídios e que recebe a tarefa de investigar um brutal assassinato ao lado de seu parceiro, Ronald McKinney (Jeremy Bobb). À medida que começa as investigações, ela descobre que pode estar lidando com algo muito maior do que imaginava, envolvendo uma perigosa força sobrenatural que está atrelada à própria história – e ao misterioso Edmund Gaines (Luke James), protagonista da outra trama principal que se desenrola através dos episódios. O resultado dessa vibrante arquitetura é muito positivo, com exceção de alguns problemas pontuais, mostrando que Marvin e sua equipe criativa ainda tinham muito a nos contar dentro desse angustiante universo do horror.

Afastando-se do suspense psicológico familiar dos capítulos anteriores e apostando fichas em inúmeras referências aos thrillers policiais que sempre fizeram parte do cenário do entretenimento – como ‘Chinatown’, ‘Se7en’ e ‘Sin City’ – Marvin mostra que está disposto a ousar com investidas artísticas de tirar o fôlego e que condizem com a época em que o enredo se passa (incluindo o uso de cross-fades e de um apoio considerável em luzes neon e tons paliativos de cores quentes para nos preparar para o que acontecerá). É claro que certas escolhas são óbvias demais, como o cansativo filtro amarelado que se apodera de Los Angeles, mas boa parte das técnicas empregadas funciona e ajuda a construir uma atmosfera de puro desespero.

Dentro do microcosmos, é Ayorinde quem rouba a cena em todos os momentos que aparece. A atriz já havia recebido inúmeras ovações por seu trabalho como Lucky Emory na primeira temporada – mas é neste novo compilado de episódios que abre espaço para uma versatilidade aplaudível ao encarnar Dawn. Nutrindo de traumas de um passado não muito distante que recalcou com o passar dos anos e sofrendo inúmeros abusos passivo-agressivos de seus companheiros na delegacia, ela é forçada a impor suas habilidades como policial à medida que lida com um racismo estrutural que a assombra dia após dia e com olhares tortos de seus semelhantes que a julgam como traidora e como uma “vendida” ao apodrecido sistema de justiça dos Estados Unidos.

Não deixe de assistir:

Além da atriz, nomes como Pam Grier, um ícone dos filmes de blaxploitation dos anos 1970 e 1980, volta à ativa como Athena, mãe de Reeve, em uma rendição espetacular; James navega entre a loucura e a sanidade em uma performance arrebatadora e diabolicamente deliciosa que nos deixa petrificados do início ao fim; Bobb é uma tour-de-force vilanesca e odiosa que se aproxima da delineação de personagem de Alison Pill no ciclo de estreia, Betty Wendell; e o novato Joshua J. Williams, apesar de não ter muito destaque a princípio, posta-se como uma peça fundamental para entendermos os twists dos episódios de encerramento como Kel, filho de Dawn.

‘Them: The Scare’ é uma sólida e bem-vinda adição a esse universo antológico que, de modo inesperado, une-se à primeira iteração em uma celebração do melhor do suspense psicológico e do horror. Explícita, sangrenta e arrepiante, a nova temporada é uma gratificante surpresa do Prime Video e uma das incursões mais bem-estruturadas do ano.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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