007 – Sem Tempo para Morrer, o vigésimo quinto filme oficial da franquia mais duradora do cinema, tem estreia programada para o dia 7 de outubro de 2021 – após ser adiado do ano passado devido à pandemia. Como forma de irmos aquecendo os motores para esta nova superprodução que, como dito, faz parte de uma das maiores, mais tradicionais e queridas franquias cinematográficas da história da sétima arte, resolvemos criar uma nova série de matérias dissecando um pouco todos os filmes anteriores, trazendo a você inúmeras curiosidades e muita informação.
Com cinco filmes personificando o maior agente secreto do cinema, era impensável que a franquia seguisse com qualquer outro no papel protagonista que não fosse o astro, primeiro e único, Sean Connery. Mas foi exatamente isso que ocorreu em A Serviço Secreto de Sua Majestade, o sexto longa da cronologia oficial canônica de 007 – James Bond nos cinemas. Confira abaixo detalhes deste que marcou por ser o primeiro filme da franquia a não conter a forma mais famosa do espião nas telonas.
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Produção
Comecemos pelo começo. O que marcou de verdade a produção de A Serviço Secreto de Sua Majestade, o sexto longa da franquia 007 no cinema, foi a saída do protagonista Sean Connery. Mas foi por pouco que o astro não estrelou esta história. Acontece que o livro já havia sido prometido como adaptação anteriormente. Porém, por fazer uso de uma trama mais dramática, os produtores terminaram optando por passar Só Se Vive Duas Vezes na frente, por exemplo, deixando este exemplar para uma vindoura produção. Bem, o pior aconteceu e Connery pulou fora assim que seu contrato expirou com a EON (a produtora dos filmes da franquia).
Caso os produtores tivessem seguido a ordem planejada inicialmente na adaptação deste que é considerado um dos melhores livros com o personagem, escrito por Ian Fleming, Connery poderia ter saído por cima no auge, e deixado capítulos inferiores, vide Só Se Vive Duas Vezes e quem sabe A Chantagem Atômica para outro protagonizar. Enquanto a caçada mundial por um novo intérprete de James Bond acontecia, os produtores tratavam de escalar para a função de diretor, Peter Hunt, editor da franquia, tendo trabalhado nos cinco filmes anteriores. Hunt finalmente dava o pulo para a cadeira de diretor, assumindo o comando de seu primeiro filme.
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James Bond
Como dito em matérias anteriores desta coluna, o astro Sean Connery foi catapultado para a fama mundial graças ao seu papel como James Bond e já havia protagonizado cinco filmes da série no cinema. Connery há tempos vinha infeliz e nos dois filmes anteriores já não demonstrava sequer alegria em seu trabalho, desejando alçar outros voos e ser reconhecido por seu talento performático. Suas reclamações constantes não eram apenas choramingo ou estrelismo e assim que seu contrato de cinco filmes foi cumprido com a EON, o ator não conversou e pulou fora, deixando uma lacuna muito grande a ser preenchida. Essa era a época do auge da popularidade da franquia, que havia gerado uma verdadeira febre mundial da temática de espiões, fosse no cinema ou na TV. Era uma verdadeira Bondmania. É claro que os produtores não se dariam por vencidos em encerrar sua galinha dos ovos de ouro.
Curiosamente, uma das ideias iniciais era por filmar O Homem com a Pistola de Ouro, tendo Roger Moore no papel principal. Ideia que só viria a se concretizar mais para frente. O escolhido foi mesmo o livro A Serviço Secreto de Sua Majestade, prometido anteriormente inclusive. Assim, depois de muito procurarem, James Bond finalmente terminou nas formas de um desconhecido: o modelo australiano George Lazenby, sem qualquer experiência como ator. Bem, e para todos os efeitos, foi justamente esta qualidade que garantiu a contratação do modelo. Os produtores não queriam um ator famoso que desviasse a atenção do personagem. Pelo contrário, privilegiavam um desconhecido que pudesse ser o novo rosto do espião.
Embora sua atuação no papel não seja das melhores, Lazenby garantiu a fisicalidade do personagem, se saindo bem nas cenas de ação e lutas, o que atraiu ainda mais os produtores para sua performance. A troca de atores não passaria em branco nem mesmo no roteiro, com a trama abrindo em uma cena na qual o novo James Bond profere para a câmera (e a audiência): “Isso nunca aconteceu com o outro camarada”, após salvar uma donzela em perigo e ser prontamente recusado por ela.
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Missão Secreta
Num aspecto cronológico, A Serviço Secreto de Sua Majestade segue de perto o que havia sido construído anteriormente na franquia, em especial em Só Se Vive Duas Vezes. Como mostrando no filme anterior, James Bond confronta o vilão mor Blofeld, que consegue fugir. Aqui, o espião está na trilha do criminoso, o que o leva até os Alpes Suíços onde seu antagonista agora com outra identidade comanda uma clínica geneticista. Esse também marca como o primeiro filme da franquia em que James Bond esquia na neve. Como forma de uma troca de favores pelo paradeiro de Blofeld, 007 aceita proteger a filha de um mafioso italiano. No processo, obviamente, os dois terminam por se apaixonar. Mas não apenas isso, Tracy marcaria a série como a paixão definitiva do mulherengo agente da Rainha. O amor foi tanto, que Bond se casa com a mulher, fato inédito na franquia, tendo nunca mais algo parecido ocorrido. O mais perto que se chegou foi a relação com Vesper Lynd apresentada em Cassino Royale (2006), um amor insuperável. Aqui, no entanto, 007 estava disposto a aposentar sua arma de baixo e seguir como homem fiel.
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Bondgirls e Aliados
Recorrentes na franquia, o chefe M, a secretária Moneypenny e o armeiro Q, aparecem momentaneamente, de novo vividos pelo trio de sempre: Bernard Lee, Lois Maxwell e Desmond Llewelyn respectivamente. Porém, um nome que marca precisamente a franquia é o da atriz ruivinha Diana Rigg, intérprete da esposa de James Bond, Tracy. Rigg fez carreira e ficou conhecida como Emma Peel, uma das protagonistas do seriado de espionagem de sucesso Os Vingadores (permanecendo no ar no programa de 1965 a 1968 – nas vésperas da estreia de A Serviço Secreto de Sua Majestade). A produção deste filme a pescou do seriado e Rigg teve a chance de interpretar a que é para muitos até hoje a melhor personagem feminina da franquia. Inteligente e safa, sabendo cuidar de si mesma, dona de um ar trágico, é dito que se o espião se apaixonasse algum dia por alguém, seria alguém como Tracy.
Os fãs de 007 somente lamentam a ausência de Sean Connery no papel neste filme, praticamente garantindo a química perfeita com Diana Rigg. Muitos especialistas chegam inclusive mais longe, afirmando que caso Connery contracenasse com Rigg, este poderia ser um de seus melhores, senão o melhor, desempenhos na franquia. Por outro lado, dizem as más línguas que o relacionamento entre Lazenby e Rigg não foi dos melhores. Os atores aparentemente não se deram muito bem, em partes graças à atitude arrogante que o ator portava. Diz a lenda que Rigg chegou ao ponto de comer alho para piorar seu hálito para as cenas românticas de beijos com o colega. Para os mais jovens, Diana Rigg também não é estranha, tendo vivido Oleanna Tyrell na série de sucesso da HBO, Game of Thrones. Rigg faleceu em 2020 aos 82 anos.
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Vilões
A trama de A Serviço Secreto de Sua Majestade exigia a volta do maior antagonista da franquia, o cabeça da organização SPECTRE, Blofeld, tendo em vista que o criminoso havia escapado no filme anterior. E já que o intérprete de James Bond havia mudado, os produtores acharam por bem seguir dando novos ares para o filme, apesar de se tratar de uma continuação direta. Assim, Blofeld perdia a aparência ameaçadora dada por Donald Pleasence, para assumir formas, digamos, mais arrojadas e modernas na aparência do americano Telly Savalas e sua ilustre careca, recém-saído do sucesso Os Doze Condenados (1967).
Embora entregue um desempenho satisfatório no papel do vilão, a continuidade da franquia acabou sofrendo duplamente. Primeiro, pela caracterização do personagem em si, que perde inexplicavelmente sua grande cicatriz no olho – que ajudava no tom de medo e ameaça do inimigo. E segundo porque os roteiristas talvez tenham esquecido do confronto entre o espião e Blofeld ao desfecho do longa anterior. Já que aqui, o vilão parece não lembrar inicialmente de Bond quando o encontra. Será que é mais uma brincadeira com a mudança de atores?
Savalas ficaria marcado quatro anos depois por seu papel como o tenente Theo Kojak na série de sucesso Kojak (1973 – 1978).
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Relatório
Nunca anteriormente a conclusão de um filme da franquia se mostraria tão problemático quanto A Serviço Secreto de Sua Majestade. Tudo isso apenas devido ao comportamento errático do protagonista George Lazenby. Acontece que o ator era um forte adepto da contracultura que nascia no período, o movimento dos hippies e a luta contra o sistema. Para piorar, o agente do ator era ninguém menos que Ronan O’Rahilly, um dos sujeitos por trás da Radio Caroline, uma famosa rádio pirata da década de 1960 que funcionava num barco transmitindo do mar contra o monopólio da BBC britânica. Assunto inclusive retratado em alguns filmes. O’Rahilly considerava 007 uma figura arcaica e insistia para seu cliente que a franquia não sobreviveria aos novos tempos. De cabeça feita, Lazenby começou a considerar o papel abaixo de seu talento, apesar de ser seu primeiro trabalho como ator.
Desta maneira, de forma muito breve na série, Lazenby se recusou a retornar ao personagem, que provavelmente o teria feito um astro e um milionário. Para piorar, o ator apareceu na pré-estreia usando barba e cabelos longos, o que enfureceu os produtores por divergir completamente da imagem “suave” que James Bond possuía. Resultado: George Lazenby se tornou ator de um filme só, sua carreira nunca foi a lugar algum, e anos mais tarde ele continuaria a surfar no sucesso proporcionado pelo personagem em papeis semelhantes.
A trilha sonora de abertura do filme é criada, pela primeira vez, de forma toda instrumental, deixando a canção ‘We Have All the Time in the World’, de Louis Armstrong, constando em um momento romântico dentro do filme.
Curiosamente, A Serviço Secreto de Sua Majestade, apesar do desdém de alguns fãs em não se ter Sean Connery no papel, não é um filme ruim. Muito pelo contrário, resulta em uma das melhores investidas da franquia até então – conseguindo superar em muito os dois últimos trabalhos de Connery no papel. De fato, A Serviço Secreto de Sua Majestade é o filme preferido na franquia de muita gente famosa, entre eles diretores de peso. É o caso de Guy Ritchie, que fez dedicatória ao longa em seus filmes de Sherlock Holmes; Steven Soderbergh, que remontou o longa de forma amadora por diversão e postou em seu site; Christopher Nolan, que homenageia o filme em algumas de suas próprias obras, vide A Origem e Tenet; e claro, o cinéfilo Quentin Tarantino.
A Serviço Secreto de Sua Majestade obteve boa bilheteria e ficou entre os filmes mais rentáveis de seu respectivo ano. Porém, a falta de Connery foi sentida deixando o longa, ao menos financeiramente, abaixo dos episódios prévios. E o que o futuro reservaria para 007? Veremos no próximo Dossiê. Até lá.