quinta-feira, março 28, 2024

E aí, querido cinéfilo?! – Nossa Coluna de Entrevista | Parte 26: Monica Marraccini

A beleza do cinema é conseguir enxergar além do que os olhos conseguem captar. Falar de cinema é uma grande prova de amor ao sentimento das curiosidades que afligem esse imenso mundão que vivemos. Todo tipo de filme, de qualquer gênero, busca o importante elo em apresentar emoções ao espectador, seja ele quem for. Pensando em entender melhor as razões do porquê o cinema é uma coisa tão rica para nossa existência como seres humanos, esse eterno jovem cinéfilo que vos escreve buscou cinéfilos espalhados pelo Brasil (alguns até pelo mundo) para contar um pouquinho da trajetória cinéfila deles para vocês.

Nossa entrevistada de hoje é uma das pessoas mais cultas e carinhosas que frequentam os cinemas do Rio de Janeiro. Professora de idiomas, intérprete e tradutora, Monica Marraccini morou anos na Alemanha e tem histórias sensacionais dentro dos cinemas em vários cantos desse mundão. Cinéfila de carteirinha, quando o Central do Brasil ganhou o Festival de Berlim, justamente na época em que ela estava se mudando de volta para o Brasil, traduziu na época todos os artigos elogiosos que saíram do alemão para o português e deixou num envelope para o Walter Salles na livraria do hoje Estação Rio. Quatro anos mais tarde, encontrou com o mesmo em um evento e ele disse que tinha recebido e se alegrado com a lembrança. Essas e outras curiosidades sobre essa querida amiga cinéfila você lê agora.

 

1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.

São os cinemas da rede Estação, principalmente o Estação Rio. Desde o início, o Grupo Estação optou por uma programação mais distante do cinemão comercial hollywoodiano.  Não tenho nada contra assistir a um filme considerado mainstream de vez em quando, há alguns excelentes, mas acho desesperador viver em um local onde estes sejam os únicos filmes disponíveis. Também frequentava muito o Espaço Itaú, mas observei uma mudança de foco nos últimos anos em direção a filmes que podem ser assistidos em muitos outros cinemas.

Um problema recorrente nos cinemas do Rio é o ar condicionado. Já deixei o cinema doente mais de uma vez, e o Itaú exagera na temperatura gelada. Curti muito o Cine Joia nos tempos do programador Raphael Camacho, pois a seleção era realmente ainda mais ousada do que a do Grupo Estação e o Cine Clube era uma delícia. Se o cinema fosse um pouco maior e confortável, creio que poderia ter permanecido um sucesso.

 

2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente?

Meus pais eram cinéfilos e ouvi falar de cinema e de atores muito cedo na vida. Meu pai chegou a rodar um western que não foi lançado, mas está no catálogo da Cinemateca Nacional. No meu aniversário de 11 anos, descemos ao Rio de Petrópolis para alugar um filme na antiga Mesbla que meu pai exibiu no seu projetor para os meus amigos. Me senti muito especial naquela ocasião. Era um filme com Sophia Loren e não exatamente infantil, mas as crianças adoraram. Minha primeira paixão cinematográfica foi pouco original: A Noviça Rebelde. Depois passei a assistir filmes de Walt Disney, filmes bíblicos como Ben-Hur e Quo Vadis, comediantes franceses como Louis de Funnes e Jacques Tati. Petrópolis tinha muitos cinemas de rua nos anos 70 e assisti filmes maravilhosos como A Filha de Ryan de David Lean e A Flauta Mágica de Ingmar Bergman. Quando mudei para o Rio, passei a frequentar a Cinemateca do MAM onde se podia ver filmes de Fellini e de Andrzej Wajda. Quando mudei para a Alemanha, sofri um pouco com o fato dos filmes serem dublados, mas fiz muitos amigos cinéfilos e os papos que levávamos depois dos filmes compensavam. E me tornei frequentadora do Festival de Berlim que fazia do frio mês de fevereiro o mais estimulante do ano para mim. Quando voltei para o Rio, fui salva pelo Grupo Estação. Petrópolis infelizmente quase já não tinha cinemas.

 

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3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?

Pergunta difícil. Gosto muito do Mike Leigh, do Robert Altman, do David Lean, do Truffaut, do Visconti, do Bertolucci, do Bergman e de muitos outros. Mas se tivesse que escolher, iria com o agora renegado Woody Allen. Identifico-me muito com as vozes eloquentes dos seus filmes, adoro a mistura de comédia e intelecto. Pena que o escândalo e o pessimismo tenham escurecido tanto sua atual produção. Gosto de muitos filmes dele, mas escolheria Manhattan nos anos 70, Radio Days nos anos 80, Husband and Wives nos anos 90 e Midnight in Paris nos últimos anos. Este último me fez flutuar como a Goldie Hawn. Amei aquela viagem ao passado parisiense.

 

4) Qual seu filme nacional favorito e porquê?

Por acaso estava revendo uma hora atrás no Canal BrasilCentral do Brasil. Acho uma história belíssima que enfoca o Nordeste de forma muito poética, com uma dupla de atores espetaculares e a saudosa Marília Pera. Além disso, Central ganhou o Festival de Berlim justamente na época em que eu estava me mudando de volta para o Brasil e a emoção dos brasileiros que lá viviam com aquela vitória foi imensa. Traduzi na época todos os artigos elogiosos que saíram do alemão para o português e deixei num envelope para o Walter Salles na livraria do hoje Estação Rio. Quatro anos mais tarde, encontrei com ele em um evento e ele me disse que tinha recebido e se alegrado com a lembrança.

 

5) O que é ser cinéfilo para você?

O cinéfilo sente alegria com a simples visão de um cinema de rua. O dia do cinéfilo se torna imediatamente feliz se ele sabe que vai ter tempo para ir ao cinema ver um bom filme. Não consigo imaginar minha vida sem assistir filmes em um cinema. Por melhor que sejam as Netflix da vida, não vejo o momento de voltar a comprar o jornal na sexta e começar a sublinhar os filmes que quero ver durante a semana. No cinema!

 

6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?

Não. Aqui no Rio temos a grande sorte de possuir uns poucos cinemas que se dedicam a um público mais exigente. A maioria dos cinemas quer vender entradas, pipoca e refrigerante com filmes fabricados em Hollywood para este objetivo.

 

7)  Algum dia as salas de cinema vão acabar?

Se ocorrer, espero que eu não esteja mais viva. Seria uma tristeza difícil de digerir.

 

8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.

Carrington com a Emma Thompson. Baseado na história da pintora Dora Carrington que tinha uma paixão platônica por seu companheiro de uma vida, o escritor gay Lytton Strachey. O filme tem um elenco incrível com o belíssimo Jeremy Northam e o talentosíssimo Jonathan Pryce, um dos meus atores favoritos. Além da Emma, óbvio.

 

9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?

Se as salas não se encherem muito e o ar condicionado for muito bem controlado, creio que sim. Caso contrário, teremos em breve ainda menos cinemas de rua do que temos atualmente. E sinceramente nunca tive vontade de assistir a filmes dentro de um carro. Fico logo em casa se esta for a única possibilidade. Cinema ao ar livre pode ser uma boa opção por enquanto.

 

10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?

Confesso que me sinto sem autoridade para julgar. Não tenho sentido vontade de ver a nossa realidade, que já anda muito triste, nas telas de um cinema. Tenho evitado cinema brasileiro.

 

11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.

Gostava muito dos documentários do Eduardo Coutinho que perdemos tragicamente.

 

12) Defina cinema com uma frase.

Como diria talvez Woody Allen, algo que faz a vida realmente valer a pena.

 

13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema.

Perdi o controle uma vez em um cinema na Alemanha, pois tinha esperado anos para ver O Inocente do Visconti na telona e dois sujeitos começaram a conversar do meu lado, levantei indignada, expressando um desespero tão grande que eles ficaram me olhando impressionados. Adorei dançar junto com os faxineiros do Cinema Leblon ao som dos Rolling Stones no filme do Scorsese. Recordações nada bonitas são as que tenho dos anos 70 quando eu era uma jovem que ia cinema sozinha assistir filmes como O Franco Atirador e sempre tinha algum sujeito inconveniente na sala que gostava de assediar mulheres sozinhas. Sofri muito com isto, pois na época não se falava sobre o assunto.

 

14) Defina ‘Cinderela Baiana’ em poucas palavras…

Não vi. Nem sei direito do que se trata rsrs.

 

15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?

Certamente. Os grandes escritores são todos grandes leitores e acho difícil alguém fazer um bom filme sem ter assistido a dezenas de excelentes filmes antes.

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