Aos 57 anos de idade, a Rainha do POP está em seu auge. Independente das piadas enviadas por whatsapp ou compartilhada nas redes sociais, referentes aos anos de vida da artista, não podemos negar uma coisa: ela é uma sobrevivente dentro de uma cultura que trabalha com aspectos banais e efêmeros. Ao longo de mais de três décadas de sucesso, Madonna homenageou o cinema diversas vezes, seja em seus videoclipes ou turnês.
Com carreira sólida e amadurecida, Madonna tornou-se algo além do mundo das celebridades, sendo tema, inclusive, de estudos acadêmicos. Leonardo Campos, nosso crítico e parceiro desde 2009, resolveu ceder alguns trechos do seu livro Madonna Múltipla – Cinefilia e Videoclipe. A obra mostra como a cantora estadunidense utiliza a linguagem audiovisual para discutir temas contemporâneos.
Saiba mais em nosso especial. Cinema, videoclipe e muito mais!
1 – Material Girl: Madonna emula Marilyn Monroe.
Material Girl é uma das canções que compõem o álbum Like a Virgin, lançado por Madonna em 1984. Composta por Peter Brown e Robert Evans, a letra da canção surgiu como uma continuação da ideia de força renovadora do amor e autoconfiança pregada pela artista no single Like a Virgin. Dialogando com o espírito yuppie dos anos 1980, na opinião da crítica especializada, a música foi um toque de trombeta para o jovem empreendedor e ambicioso. Como Madonna deixou claro em várias ocasiões, a canção e o videoclipe foram pensados como uma ironia, mas a mídia, às vezes, desatenta, agarrava-se a um refrão e interpretava tudo errado.
Em Material Girl, a letra da canção é uma espécie de atualização de Diamond are a girl´s best friends para os anos 1980. A importância dada ao crédito, às joias, ao luxo e ao bem estar estão lá, mas no videoclipe, espaço em que Madonna procurou escrever um texto próprio, ela ironiza estas relações colocadas pela letra da canção. Apesar de saber que estamos em um mundo materialista, pela mensagem do videoclipe, o amor vence os obstáculos capitalistas e ela termina o “conto de fadas” com o rapaz pobre.
O videoclipe começa enquadrado em primeiro plano, com dois homens, provavelmente produtores de um filme, conversando sobre a estrela que protagoniza a história: enquanto eles conversam, trechos de Material Girl aparecem em um telão. A conversa gira em torno do poder daquela mulher em ser uma estrela, da forma espetacular como ela age e surge diante das câmeras. Antes do diálogo interrompido por um dos produtores, que parece enfeitiçado pela beleza e encanto da artista no telão, escutamos o som de um rolo de filme sendo executado, numa espécie de alusão direta ao cinema: a metalinguagem já começa por ai, sonora e visual, pois há um projetor atrás dos produtores, mandando as imagens de Madonna para uma tela.
Em Material Girl, Madonna comunica uma série de questões: o seu interesse em ser atriz de cinema, tamanha a relação com o mito Marilyn Monroe na cultura da mídia, assim como a perspectiva multicultural e a construção de videoclipes que contavam pequenas histórias. Apesar de não ser uma estratégia nova no campo do videoclipe, naquela época, atraia as atenções do público e da mídia, reforçando a sua imagem polêmica diante de questões como identidade, feminismo, sexualidade, dentre outras. O cinema, como embasamento de seus videoclipes, estava apenas no começo.
2- Express Yourself: intertextualidade com o Expressionismo Alemão
Express Yourself é uma das canções que compõem o álbum Like a Prayer, lançado por Madonna em 1989. Composta em parceria com Stephen Bray, a letra da canção, imperativa, foca na defesa de gênero proposta de maneira mais razoável por Madonna em produções anteriores. Com um perfil que foge do materialismo, a letra encoraja o público feminino a buscar respeito e se expressar.
Seguindo o estilo Madonna, a canção não seria suficiente. Um videoclipe foi providenciado, sob a direção segura e autoral de David Fincher, diretor hoje renomado no cinema, com filmes como Seven – Os Sete Pecados Capitais, Clube da Luta, Alien 3, dentre outros, mas que começou a carreira dirigindo alguns videoclipes de Madonna. Como base para o videoclipe, escolheram o filme Metrópolis, clássico alemão de Fritz Lang, uma produção que criticava a mecanização da vida industrial e os sentimentos humanos perdidos diante deste processo. O Queen já havia se baseado neste filme para a produção do videoclipe Radio Gaga, mas Madonna buscava uma abordagem que desconstruísse o filme e revertesse as estratégias de Lang.
Orçado em U$5 milhões de dólares, Express Yourself foi filmado em abril de 1989, nos estúdios Culver, na Califórnia. Estreou na MTV em 17 de maio de 1989 e se tornou um dos maiores sucessos de Madonna, marcando uma estratégia mais poderosa no campo do videoclipe. Nessa época, Madonna firmava o seu lugar como artista feminina rentável e com público feminino cativo, que seria ampliado em Vogue, sucesso que arrebanharia o público gay.
Dessa forma, de garota materialista a uma virgem, tocada pela primeira vez, Madonna amadurecia as suas reflexões feministas através da música, ganhando força graças ao seu empenho nos videoclipes. Se a carreira como atriz de cinema era ameaçada com as fortes críticas em relação ao seu talento para as câmeras de cinema, o mesmo não pode ser dito da sua incursão no mundo dos videoclipes, pois Express Yourself marca uma fase de empoderamento nesse campo. Era o momento onde Madonna explorava e desenvolvia suas próprias ideias sobre a ambiguidade entre os sexos e a sexualidade, uma agenda feminista na qual uma mulher comanda o seu corpo e a sua vida.
3 – Vogue: uma ode ao Olimpo Hollywoodiano clássico
Vogue é uma das canções que compõem a trilha sonora do filme Dick Tracy, lançada por Madonna em 1990. Composta em parceria com Shep Pettibone, a letra da canção sugere a pista de dança como um local terapêutico, em que cada pessoa deve ser ela mesma e sentir-se radiante. Com um perfil inclusivo, a letra encoraja o público a entrar na pista de dança e deixar correr as emoções.
De acordo com as informações da biógrafa Rosie O´Brien, no livro Madonna: uma biografia íntima, Vogue é considerada uma canção que se comporta como um hino urbano sofisticado, celebrando a arte do Voguing. Na abertura da canção, Madonna solicita que os ouvintes façam uma pose. Mais adiante, observaremos que não se trata de uma pose qualquer, mas uma posição de supermodelo. Ela diz que, olhando ao redor, percebemos que há muita desilusão e dor, e, diante disso, estamos sempre arrumando uma maneira de escapar dessa situação. Sendo assim, quando tudo fracassar e a pessoa quiser ser alguém melhor do que é, a pista de dança será o lugar.
Vogue representa um retrato positivo do hedonismo. Seguindo a linha inclusiva, a canção diz que não importa se você é negro ou branco, homem ou mulher, o que interessa é que a música está tocando e que a pessoa deve se sentir uma estrela. Segue valorizando o poder da música para levantar o astral das pessoas, informando que é através desta modalidade artística que a beleza pode ser encontrada, e que, de certa maneira, há uma espécie de magia na pista de dança, que precisa ser levada para a vida, mas, para isso, é preciso que você dance faça as poses sugeridas.
No meio da canção, um rap é inserido, composto por Madonna, apresentando o nome de dezesseis estrelas de cinema hollywoodianas: Greta Garbo, Marilyn Monroe, Marlene Dietrich, Joe Di Maggio, Marlon Brando, Jimmy Dean, Grace Kelly, Jean Harlow, Gene Kelly, Fred Astaire, Ginger Rogers, Rita Hayworth, Lauren Bacall, Katherine Hepburn, Lana Turner e Bette Davis. Além da óbvia necessidade de criar rima na letra da canção, Madonna evoca atores e atrizes das décadas de 1920 a 1950, e, como ela explica, são mulheres de atitude e homens que estavam na “onda” dos seus respectivos momentos, influências necessárias para que a pessoa ganhe força e sinta-se inserida na pista de dança, celebrando a vida. Ao finalizar, aconselha que a pessoa se deixe levar pela música.
Vogue foi um videoclipe essencial para o sucesso da canção. Os bailarinos também participaram da turnê Blond Ambition. Desta maneira, Vogue marcou muitas coisas na vida de Madonna. Em pleno auge da AIDS, o envolvimento da artista com a causa, bem como o acolhimento deste público em suas turnês foram os fatores que possibilitaram a relação direta que as pessoas fazem até hoje com o público homossexual. Foi o videoclipe onde Madonna testou o seu poder e estava mais popular do que nunca. Para somar, o videoclipe ganhou mais força com a apresentação na MTV, com Madonna vestida de Maria Antonieta, parodiando a corte francesa, com insinuações sexuais, cenários teatrais, figurinos cuidadosamente elaborados e coreografia bastante equilibrada.
4 – Bad Girl: traços do Cinema Noir
Bad Girl é uma das canções que compõem o álbum Erótica, lançado por Madonna, em 1993. A artista assina a composição da canção melancólica, que segue o apelo controverso de Madonna na época: escândalos envolvendo as suas incursões sexuais na mídia, marcando também um ponto de virada na carreira da musa pop, haja vista que foi um dos seus fracassos comerciais, mesmo com o lançamento do videoclipe cheio de estilo, dirigido por David Fincher.
Para a elaboração do videoclipe, Madonna firmou mais uma parceria com David Fincher, diretor de Vogue e Express Yourself. Seguindo a cartilha dos videoclipes inspirados em filmes e vanguardas cinematográficas, Bad Girl possui amplo feixe de relações com a linguagem do cinema: há traços do filme De Bar em Bar, dirigido por Richard Brooks, que também assinou o roteiro, baseado no romance Á Procura de Mr. Goodbar, de Judith Rossner. O livro, que inspirou o filme, é baseado no assassinato de Roseann Quinn. Além do filme, o videoclipe possui traços bastante característicos do cinema noir, filmes que utilizam o recurso do flashback, luzes e sombras herdados do expressionismo, metáforas com espelhos e voyeurismo, além dos enquadramentos oblíquos valorizados pela cuidadosa movimentação da câmera.
Bad Girl é um videoclipe com bastante estilo, bem dirigido e concebido, mas não fez muito sucesso e não é um dos mais requisitados nas coletâneas de Madonna. O período de lançamento também não ajudou. O lançamento do livro Sex, do videoclipe Erótica, além do filme Corpo em Evidência, foram trabalhos que demarcaram uma estratégia perigosa de Madonna dentro do campo do videoclipe. As pessoas consideravam que ela havia ido longe demais.
Numa época marcada pelo que se pode chamar de pós-AIDS, as questões sobre sexualidade explícita eram ainda mais rigorosas do que antes. Embora com conteúdo mais leve, Madonna, ainda em Bad Girl, arcou com os prejuízos da sua incursão extremamente sexual. Seria preciso investir em personagens mais leves e polidos, como as personagens dos videoclipes posteriores: Take a Bow e You´ll See, sendo o primeiro, o material audiovisual que convenceu o diretor Allan Parker a conceder o papel de Evita Péron para a artista, momento considerado como a sua guinada dentro da indústria cinematográfica.
Com Hollywood, Madonna conseguiu reforçar o caráter crítico que o seu álbum American Life havia adotado. Apesar de esta canção ter “pagado” o preço da ousadia antipatriótica do single American Life, o videoclipe ficou marcado como um dos principais da fase mais atual de Madonna. Com a carreira já firme e com a maturidade que os filhos, os projetos e a vida lhe proporcionaram, Madonna, em Hollywood, estava a repensar a ideia de glamour, brilho e luxo da mais famosa e influente indústria cinematográfica mundial.
5 – Hollywood: uma crítica ao padrão hollywoodiano de “ser”.
Hollywood é uma das canções que compõem o álbum American Life, lançado por Madonna em 2003. Composta por Mirwais Ahmadzai, a letra da canção, cheia de contradições, explora o lado crítico de Madonna, tônica de todo o álbum. Na canção, Hollywood, a Meca do cinema, diferente da ode ao glamour de Vogue, é a terra da desilusão e do engano, onde as pessoas podem ficar acríticas diante dos sonhos ornados pela superficialidade.
De acordo com Madonna, em entrevista, Hollywood é uma canção metafórica, pois o local é um reduto de sonhos e de superficialidade. No ponto de vista da artista, Hollywood é o local onde é possível esquecer-se de quem você realmente é, sendo assim, abrindo espaço para se perder, ao ganhar uma visão turva do futuro, apresentar falhas na memória, e, concomitantemente, perder-se de maneira geral e deixar de lado coisas mais importantes para a vida. A letra deixa claro que Hollywood é o local para onde todos querem vir, curtir, sentir a atmosfera, mas os elementos atrativos podem tornar-se perigosos e impedir o discernimento de quem está mergulhado no poço de mágoas e falso glamour.
Nesse videoclipe, Madonna não faz nenhuma menção direta a um filme ou vanguarda, mas parodia a indústria cinematográfica hollywoodiana. Ao lado de Vogue, soa como uma antítese, um pensamento reformulado, afinal, nos anos 1990, ela fez a sua ode aos mitos hollywoodianos, pessoas lindas, bem sucedidas e ícones da glória e do poder. Em Hollywood, ela mostra que esse status pode custar muito caro para as pessoas, geralmente solitárias e reféns do padrão hedônico de beleza, que pede cirurgias e exercícios físicos constantes.
Para a concepção geral, Madonna se inspirou em fotografias, assim como fez em Vogue. Dessa vez, o artista escolhido foi o fotógrafo francês Guy Bourdin, falecido em 1991. Famoso por valorizar cores, formas e cenários, inspirou os personagens apresentados no videoclipe. Sua família, inclusive, processou Madonna por plagiar as fotos. A artista alegou que havia apenas se apropriado das imagens e criado algo novo. Desse modo, a paródia aos elementos hollywoodianos e a apropriação das fotografias de Bourdin abrem espaço para a metalinguagem no videoclipe. O trabalho do fotógrafo manteve-se bem ajustado aos propósitos de Madonna por ser uma produção acentuada no que tange aos aspectos excêntricos do glamour.
Madonna também fez homenagens ao cinema em outros videoclipes, como por exemplo, Hung Up, Sorry e The Power of Goodbye. Trabalhou com diretores talentosos como Spike Lee, Woody Allen, Abel Ferrara e Alan Parker. Uma artista talentosa e com um leque de novidades a cada produção. Ano que vem, há a nova turnê, com passagem certa pelo Brasil.