Famosa história originou-se em uma série de livros com diversas continuações
Uma garota, um tornado, uma trilha de tijolos amarelos e uma cidade esmeralda. Esses são elementos que certamente a maioria das pessoas conhece e certamente identificam de imediato com O Mágico de Oz. A famosa história criada por L. Frank Baum narra a jornada da jovem Dorothy que, após ser levada (ao lado de seu cãozinho Totó) por um furacão para a terra de Oz, deve encontrar o misterioso mágico local que possui conhecimento de como fazê-la retornar. No caminho ela terá aliados inesquecíveis e desafios propostos pela Bruxa Malvada do Oeste.
O primeiro livro, que compõe uma série de catorze outros títulos, foi lançado em maio de 1900 mas a “imortalidade” artística, por assim dizer, pode ser traçada uns trinta e nove anos depois quando Victor Fleming (que dirigiu a obra parcialmente pois ele precisou abandonar o projeto em prol de E o Vento Levou…) lançou sua adaptação cinematográfica.
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O clássico homônimo estrelado por Judy Garland arrebatou o público com seu visual colorido (utilizando ao máximo a então nova técnica de colorização dos filmes) e trilhas musicais inesquecíveis. Concorreu a seis Oscar, dentre eles o de melhor filme, e levou os de Melhor Banda Sonora e Melhor Canção Original.
Não à toa, quando recentemente a New Line Cinema anunciou que a diretora dos episódios de Watchmen e vencedora do Emmy, Nicole Kassell, estará no comando de uma nova adaptação de O Mágico de Oz, imediatamente surgiram indagações sobre o quão diferente da versão de Fleming essa abordagem será ou se pode ser uma espécie de homenagem na forma de um musical.
Entretanto, a primeira visita de Dorothy à Terra de Oz é só o primeiro capítulo de uma saga muito mais longa e cuja sequência é bem diferente do que se esperava. De uma maneira geral, a imagem que o autor tinha para esse mundo fantástico não foi realmente adaptada com sucesso na famosa versão de 1939, isso porque Baum usa dos elementos fantásticos para focar em alguns conceitos que, de outra maneira, não seriam abordados em uma história infantil. As famosas ilustrações assinadas por William Wallace Denslow também passam bem a ideia de surrealismo daquele mundo, com um estilo de arte diferente e até mesmo grotesco.
Por volta de 1904 é lançada A Maravilhosa Terra de Oz; um projeto que nasceu de diversos pedidos de leitores mirins por uma continuação do primeiro livro. Em uma nota publicada junto com a obra em questão o autor fala sobre os pedidos. “Depois da publicação de O Mágico de Oz eu comecei a receber cartas de crianças, me contando do prazer que elas tiveram lendo a história e me pedindo para escrever algo a mais sobre o Espantalho e Homem de Lata”.
Essa sequência não traz Dorothy como heroína, mas sim o jovem Tip. Ele é uma criança que desde que se recorda esteve sob a tutela da bruxa Mombi pois no passado seus pais fizeram um acordo com ela: em troca dela deixar a vila em paz eles lhe dariam seu pequeno filho. Logo de cara é interessante notar a similaridade, e tom sombrio presente, entre o início da vida de Tip e um terrível costume de muitos locais, geralmente mais pobres em sua maioria mas não totalmente, da venda dos filhos em troca de algo (geralmente comida).
Esse conceito também é um velho conhecido de histórias infantis; tradicionalmente se interpreta que o início da aventura de João e Maria, em que o casal de irmãos está perdido na floresta até se deparar com a casa da bruxa, é uma alegoria ao antigo hábito que os pais de famílias muito grandes tinham de abandonar seus filhos na floresta (geralmente os que não tinham idade para trazer o sustento para casa) de modo que assim sobrasse mais comida para todos.
Logo, a vida de Tip sob a tutela da bruxa é bastante desagradável, sendo marcada por uma relação verdadeiramente abusiva desde o início. A criança sendo compulsoriamente posta para servir aos caprichos da tutora enquanto que a mesma o ameaçava de lhe transformar em estátua. Tais detalhes mais explícitos sobre abusos domésticos eram um detalhe que o autor Baum entendia que compete aos contos de fadas.
Afinal seu objetivo sempre foi, ao criar a saga de Oz, de fazer algo digno das tradicionais histórias dos irmãos Grimm mas adaptado ao cenário dos Estados Unidos e não uma cópia da distante Europa. Nas primeiras histórias da saga é perceptível que o autor não pesava tanto quanto viria a fazer mais para frente a excentricidade da ambientação.
Totalmente desconfortável com sua situação, Tip decide criar um híbrido com corpo de madeira e cabeça de abóbora para poder assustar a sua tutora assim que ela retornasse para casa. O plano não funciona e ela ameaça novamente transformar Tip em uma estátua; aterrorizado o jovem decide fugir dali à noite com seu amigo inanimado porém, antes disso, ele rouba uma poção da bruxa que confere vida a objetos inanimados, de modo que assim ele dá vida ao Jack Cabeça de Abóbora.
Parte da bizarrice que cerca essa sequência tem uma ligação com o Jack Cabeça de Abóbora. Como mostrado no artigo The Original Wizard of Oz Books Are Shockingly Violent Compared to the Judy Garland Classic, de autoria da Talkin, é ressaltado um trecho bem desconcertante sobre o parceiro de Tip. “Baum decide e escolhe quando ele quer que o mundo de O Mágico de Oz reflita a vida real. Nos livros, ele introduz um personagem chamado Jack Cabeça de Abóbora, que muito se parece com Jack Skellington no início de O Estranho Mundo de Jack. Ele tem um verdadeiro visual de Halloween, com todos os membros de aranha e uma cabeça de abóbora que apodrece como uma abóbora real”.
Ao longo da jornada a dupla se separa, com Tip indo encontrar o Espantalho, que agora é o governante da Cidade Esmeralda mas que corre o risco de ser deposto em um golpe; e Jack visitando o Homem de Lata, este que também se tornou um monarca e planeja marchar para a Cidade Esmeralda em busca de ajudar seu companheiro. Novamente fica uma analogia a fatores reais como instabilidade dos sistemas políticos e alianças entre Estados nacionais mascarados por um verniz fantástico.
A Maravilhosa Terra de Oz ainda serviu parcialmente (isso porque o terceiro livro Ozma de Oz também foi inspiração) de material base para uma adaptação cinematográfica em 1985 sob o nome de O Mundo Fantástico de Oz, no qual ele se propôs – não oficialmente pois a MGM (estúdio do filme de 1939) não se envolveu na produção – a ser uma sequência do clássico de Victor Fleming. Uma mudança fundamental foi a troca no protagonismo de Tip para uma Dorothy que tem dificuldade de seguir no mundo fora de Oz.
Tanto que no início seu comportamento causa preocupação nos tios, que temem pela saúde mental de Dorothy, que a leva para se clinicar com um psiquiatra. Após algumas sequências tensas no início ela acha seu caminho de volta para a Terra de Oz, essa no entanto estando bem diferente do que ela se lembrava; tudo está destruído e a Princesa Mombi (uma mistura da bruxa tutora mencionada antes com a vilã do terceiro livro, com a Princesa Langwidere) comanda com punho de ferro e o péssimo hábito de colecionar cabeças.
O filme foi mal recebido pela crítica especializada na época do seu lançamento, nem mesmo a indicação ao Oscar de Melhores Efeitos Especiais mudou isso, por sua abordagem bem contrária a tudo que o original representava, mas atualmente ele integra a lista de “filmes cultuados anos após seu lançamento”. Economicamente, ele também não pagou o custo de produção, que à época estava orçado em US$ 28 milhões, fator que fez a Disney desistir de produzir novas sequências.
Toda saga de Oz é repleta de mensagens que fazem referências a elementos reais, algo bastante comum na literatura fantástica do século XX. Apesar de viver no imaginário como o musical de 1939 as obras originais não necessariamente seguem a mesma tendência, porém isso em nada esmaece o encanto daquele mundo.