Identidade narrativa do cineasta não dialoga bem com projetos diferentes dela
Por meio de uma postagem recente em suas redes sociais o diretor Rob Zombie confirmou que está desenvolvendo sua própria versão do icônico seriado dos anos 60, Os Monstros. Uma rápida explicação: o conceito geral da série gira em torno da mencionada família monstro que é formada por representantes famosos do universo do terror em que cada um deles desempenha uma função tradicional como filho, mãe, pai e etc., porém, a figura do pai é o monstro de Frankenstein, a mãe é uma vampira, o avô um Drácula envelhecido e o filho pequeno um filhote de lobisomem.
Não é difícil comparar Os Monstros com a Família Addams, por exemplo, até pela premissa similar de ambos os programas: personagens extravagantes, visível inspiração gótica na composição estética e como as duas famílias agem como qualquer outra (pelo menos no limite do que era aceitável para o público consumidor em meados do século XX), e ainda assim sofrem preconceito de terceiros por serem evidentemente diferentes do que se tinha por “normal”.
Não que ambos os programas tentassem ser críticas veladas à sociedade; enquanto A Família Addams nasceu de tirinhas de jornal, Os Monstros era apenas um sitcom familiar feita nos moldes do que era tendência do gênero nos anos 60 e encomendada por um canal de televisão. Mas ainda assim eles contavam com uma identidade natural, embasada em um tom leve, que foi essencial para que seus nomes não ficassem perdidos no tempo.
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Logo, então, entra Rob Zombie com seu estilo muito característico e que ele exibe com orgulho em todas as suas produções, tanto cinematográficas quanto musicais (com sua antiga banda de heavy metal White Zombie). Esse visual costuma ser aquele comumente associado a esse gênero musical: muito gore, referência à violência, apologia a assuntos tidos como tabus sociais.
Zombie surgiu para o cinema com o longa A Casa dos Mil Corpos em 2003 com experiência prévia em produzir videoclipes durante o final dos anos 90. Esse primeiro filme é bem honesto no sentido do diretor apresentar pela primeira vez a um grande público o tipo de narrativa e visual que ele gostaria de adotar para o resto da carreira; fora que a trama sobre uma família que comete crimes bastante violentos utilizando fantasias seria reaproveitada em outra produção do cineasta no futuro.
Em 2005 ele lançou a sequência Rejeitados pelo Diabo para também servir como um segundo capítulo de uma trilogia que teria conclusão em 2019 com Os 3 Infernais. Ainda assim, ressalta-se que o diretor jamais abandonou seu estilo estético, ainda que continuasse insistindo em certos erros que naturalmente viriam desse estilo.
Foi somente por volta de 2007 que ele atingiria um público maior do que seu nicho quando assumia o reboot de Halloween, a famosa franquia do slasher iniciada em 1978 por John Carpenter – e aqui foi o primeiro choque real entre o estilo de Zombie com algo que era totalmente o oposto. O que tornou Halloween uma produção marcante foi uma mistura ideal de timing e ritmo de narrativa.
O primeiro porque o filme veio em um período de transição do terror, muito antes da invasão dos found footage e na véspera da concretização do slasher como subgênero lucrativo nos anos 80. Não à toa a ambientação de Halloween é um subúrbio aparentemente pacato, o último lugar que se esperaria uma matança.
Sabendo disso, Carpenter entendeu que esse tipo de trama com esse tipo de cenário pedia uma narrativa mais sutil e gradativa do que filmes previamente lançados naquela década (Massacre da Serra Elétrica e Aniversário Macabro por exemplo) que exploraram muito mais abertamente o uso de elementos de gore para chocar a audiência. Esse foi um elemento essencial para que a história de Michael Myers se tornasse memorável, o terror de um assassino escondido na casa ao lado que vai se aproximando lentamente da protagonista era algo bem aceitável.
Porém, se teve algo que Halloween de 2007 ficou conhecido isso não foi sutileza; Zombie desejou conceder mais tempo de tela a como Michael Myers se tornou um assassino implacável mas para isso ele precisou lançar os personagens em seu próprio mundo de exageros; com isso os pais de Michael foram transformados em figuras ausentes e abusivas (algo jamais mencionado na obra original), sua irmã virou uma figura perversa com ele e sua relação com o psiquiatra Dr. Loomis se provou como um ato de exploração vindo do próprio médico.
A visão mais “sombria” que Zombie teve para a franquia se repetiu na sequência, Halloween II, lançando mão de mortes cada vez mais gráficas e sanguinárias. Apesar de ser uma marca registrada do gênero slasher, essa nunca foi uma característica do filme de Carpenter (que tinha um baixo número de assassinatos quando comparado com outros exemplares). O estilo visual e narrativo de Rob Zombie tem a necessidade de chocar o público, fazê-lo olhar para o outro lado e isso não é errado. O problema começa quando nada disso atua em prol da narrativa ou melhor construção dos personagens.
Isso elimina virtualmente qualquer chance da construção de um suspense efetivo pois o excesso de mortes condiciona o público a esperar por esse tipo de acontecimento, resta apenas se questionar como ele será ou quão violento. O diretor Alfred Hitchcock uma vez definiu o suspense como: “A maneira mais poderosa de captar a atenção é o suspense. Pode ser tanto o suspense inerente a uma situação, quanto o suspense que faz a audiência se perguntar o que vai acontecer a seguir? – é de fato vital que eles se façam essa pergunta”. Suspense nasce da sutileza e isso não existe no estilo do músico cineasta.
Mas e quanto à comédia, visto que esse é o elemento central do seriado Os Monstros? No que concerne a filmes como A Casa dos Mil Corpos e as sequências, Zombie já flertou com o uso de humor ácido nessas obras, principalmente em torno do personagem Capitão Spaulding. Como essa ferramenta seria empregada com os membros da família monstro já é outro assunto.
Ter uma identidade visual é importante para qualquer cineasta, ainda que não seja imperativo. Alguns passam a carreira inteira sem estabelecer esse tipo de referência enquanto outros criam comunidades inteiras de fãs e aprendizes ao redor desse estilo; dois exemplos do tipo são Terrence Malick com seus movimentos de câmera contemplativos e Wes Anderson com a costumeira obsessão por tomadas centralizadas e harmonizadas. O desafio é achar um projeto que case com essa visão.
Até o momento do fechamento deste texto ainda não há qualquer informação sobre essa adaptação de Os Monstros que não seja a confirmação pelo próprio Zombie que ele estará envolvido (e provavelmente sua esposa, Sheri Moon também, visto que ela é figurinha carimbada em todas as suas obras), ou seja, sem elenco anunciado ou trama. O que se tem é o histórico do diretor e a versão original do programa em uma rota de colisão problemática.