#OscarSoWhite: Precisamos conversar sobre o Oscar ser acusado de racismo…

As opiniões que seguem são uma visão pessoal sobre a questão do racismo no Oscar, não representando, necessariamente, a opinião do CinePOP ou de seus integrantes. Certamente os frequentadores do site sabem do que estou falando, mas aí vai um resumo para quem chegou agora:

Pelo segundo ano consecutivo, a maioria dos indicados ao Oscar (não só na categoria de ator) são pessoas com a pela branca. Os primeiros a criticar foram o diretor Spike Lee e a atriz Jada Pinkett Smith, esposa de Will Smith, seguidos por George Clooney, Michael Moore, Mark Ruffalo, e, lógico, Barack Obama (vocês já viram político perder oportunidade de faturar?!), entre outros. Logo veio o boicote, com artistas recusando-se a ir à premiação, inclusive Spike Lee, laureado pelo prêmio honorário da Academia no mês de novembro. E como tudo hoje em dia (do combate ao Zika à divulgação de paçoca em supermercado), a polêmica ganhou a sua hashtag #OscarSoWhite.

Não vejo a Academia como racista. Não porque não haja racismo nos EUA, mas porque a ausência de negros não significa racismo por parte dos votantes ou um complô contra a negritude, ou qualquer coisa do gênero.

Will Smith

Vamos começar pelo básico. Chris Rock, ator negro, será o apresentador da cerimônia neste ano. Reggie Hudlin, produtor da cerimônia, é negro. Spike Lee, negro, ganhou o Oscar honorário da temporada. E a presidente da Academia, Cheryl Boone Isaac, é negra. Ora, alguém acredita que um bando de racistas colocaria uma negra como presidente da instituição da qual fazem parte? Ou permitiriam que um negro levasse um Oscar honorário enquanto outros dois organizam a festa?! Certamente, seriam racistas masoquistas.

Há outro dado básico, mas pouco conhecido. A revista The Economist comparou a proporção de indicados e vencedores do Oscar com a população dos EUA. Mesmo reconhecendo o problema de sub-representação de certos grupos, a revista constata que a proporção de negros indicados e vencedores do prêmio não diverge muito da proporção de negro na população norte-americana. A desproporção é maior entre latinos e asiáticos.

Os dados devem ser lidos com cuidado e contexto. A primeira indicação de um negro foi a atriz Hattie McDaniel, a Mammy, de …E o vento levou, no ano de 1939. O primeiro negro a levar a estatueta foi Sidney Poitier, por Uma voz nas sombras, em 1963. As proporções começaram a mudar fins da década 1990 e nos anos 2000, acompanhando as mudanças na sociedade norte-americana, após o abandonou do regime de segregação racial. Se as mudanças sócias nos EUA ajudam a explicar o porquê a maioria dos vencedores estão em anos recentes, também demonstra que a Academia pode estar à frente: no ano que Poitier venceu, vivia-se o auge dos movimentos negros.

Sidney Poitier

Os dados da The Economist apenas ajudam a perceber que o problema não passa pela representatividade nas indicações ao Oscar, muito menos que a solução seja cotizar a premiação, reservando espaço para cada grupo minoritário. O problema, se existe, não está em uma suposta Academia racista. A questão está mais embaixo, na forma como a Academia se organiza e na forma como a indústria se desenvolve.

Seguindo uma lógica toda sua, quando se começou a falar que o problema não estava na seleção dos indicados, rapidamente o #OscarSoWhite começou a ser, também, um discurso sobre a falta de oportunidades para os negros no mundo do cinema e o vídeo da Viola Davis viralizou. Nele, a atriz, visivelmente emocionada, falou das dificuldades dos negros para conseguirem espaço na indústria. Seu discurso tem o mérito de localizar melhor o problema.

Atacar a seleção, alegando racismo, é atacar o produto de um processo que lhe é anterior. Observando como Hollywood funciona, notamos a dificuldade para certos grupos de atores (ou de outros profissionais) para conseguirem posição. O problema não se limita aos negros. Além deles, vemos reclamações de mulheres (dá um Google nas últimas cerimônias pra você ver) e, com menos ressonância, de atores mais velhos. Podemos listar uma infinidade de pessoas que apontam dificuldades de arranjar trabalho no cinema por causa de um traço físico. Acontece que apenas alguns grupos mais organizados conseguem ressonância. Agora, não acredito que as dificuldades desses tantos grupos possa ser atribuída ao preconceito/racismo. Ao menos, não no sentido que muitos grupos querem passar ou que a geleia geral costuma entender.

jada-pinkett-smith-gotham

Em geral, os grupos mais organizados (como das mulheres e dos negros) apontam o machismo e o racismo como as causas de suas dificuldades, recorrendo, algumas vezes, a noção de que esses preconceitos são estruturais. Trocando em miúdos, que são preconceitos que se impõem de forma inconsciente, mas ele está lá, e você precisa assumir que é um machista e racista e se contentar em ser um eterno culpado por essas inconsciências. Por outro lado, o público que lê essas notícias no conforto da sua timeline, certamente irá pensar num homem, branco, heterossexual e produtor de cinema, que, guiado apenas por seus preconceitos, nega chance para esses grupos.

Sinceramente, se não temos uma força coercitiva impondo uma repressão contra certo grupo, não acho certo falar em “preconceito estrutural”. Sei que esses grupos de pressão têm outra coisa em mente quando falam em machismos e racismo estrutural. Eles pensam em elementos da cultura que privilegiam X e não Y. Contudo, da maneira como conduzem o debate, simplificam a vida, como se todos os problemas fossem frutos daquele traço que eles decidiram eleger como foco, e dão a um problema real uma resposta surreal e ineficiente – quando não, desejam apenas substituir um preconceito por outro.

No caso dos negros no cinema, reduzir tudo ao racismo implica em desconsiderar as dificuldades que outras pessoas passam (sabem aquele lance, a minha dor é maior que a sua?!, então!). Não quero aqui atacar a experiência pessoal da Viola Davis ou de qualquer outro ator. Estou questionando certo tipo discurso, que talvez a Viola Davis reproduza de forma inconsciente, assim como alguém que faz piada ofensiva sem perceber.

viola-davis

Esse tipo de discurso esquece um elemento chave em Hollywood (e em todo o mundo): a grana! Na boa, meus amigos, vocês realmente acham que um produtor vai investir dinheiro e, só para oprimir um grupo, não irá colocar um ator negro de sucesso no filme? Ou ele vai patrocinar um filme machista só porque ele quer oprimir as mulheres?

Quem financia, mesmo quando tem sensibilidade artística, quer que o filme seja assistido pelo maior público possível. Se até em produções independentes rola isso, só que em outra escala, quanto mais em mega produções. A relação entre risco e dinheiro é inversa: quanto maior o risco, menos dinheiro; quando menor o risco, mais dinheiro. Resultado: os Estúdios vão fazer seus filmes atenderem ao gosto médio. Aqui, sim, podemos falar em preconceitos.

Encontrar o gosto médio do público alvo envolve encontrar preferências comuns em um universo de pessoas. Dependendo do público alvo, certos preconceitos aparecem. Certo público pode ser, realmente, racista com negros. Mas, nada impede que o público alvo tenha preconceitos com católicos. Além do mais, certas coisas nem podem ser vistas como preconceito. Pensem, a média dos fãs do Batman aceitaria um ator negro ou loiro interpretando Bruce Wayne? Ou lembrem da grita que foi a escolha de Daniel Craig como o novo James Bond; um absurdo um 007 loiro, falavam. Hoje, a ideia de um Bond negro sofre tanta resistência. Não é racismo, mas apego excessivo dos fãs ao material original. Enfim, as razões são infinitas.

Os olhos mais frios do Estúdio nem sempre permitem observar mudanças no público (ou mesmo fatias esquecidas dele). Daí, alguém com mais sensibilidade artística é importante para detectar mudanças no público. O problema é convencer o dono do dinheiro a apostar nessa sensibilidade. Poucos investiriam os tubos em um Star Wars baseado na intuição do artista. Pra isso, existe a câmera do iPhone 6.

Essa relação entre dinheiro e gosto médio ajuda a explicar a dificuldade de certos grupos para conseguirem espaço. Por outro lado, esse livre marcado cinematográfico também é uma chance. Se alguém provar que filmes só com atores negros dá retorno, os grandes estúdios vão correr atrás! Foi isso que aconteceu com as mulheres. O aumento de filmes protagonizados por atrizes, especialmente os de ação, ocorre porque se percebeu um nicho esquecido. Bato muito mais palmas para Reese Witherspoon, que com sua produtora, a Pacific Standard, vem focando em trabalhos protagonizados por mulheres. É uma forma mais inteligente e com melhores resultados do que o protesto de Spike Lee e companhia. Se o problema ainda fosse o Código Hays, o protesto teria alguma eficiência. Hoje, acaba ou sendo inócuo, ou gerando um clima de pressão nos votantes para sempre colocar negros na disputa. Pergunto, alguém ficaria realmente feliz em ser premiado em um ambiente assim?

reese_witherspoon

Outra coisa, a falta de oportunidades é de desconhecidos. Sinceramente, o filho do Will Smith tem menos chances do que um branco anônimo no interior dos EUA? Certamente, as pessoas que hoje protestam passaram dificuldades, como outros profissionais. Alguns mais, outros menos. Porém, elas se encontram em posição privilegiada. Para mim, soa até ofensivo com quem está começando a carreira a postura de certas estrelas. Sinceramente, Spike Lee e Jada Pinkett Smith fariam muitos mais pelos negros desconhecidos dos EUA se investissem seu dinheiro e prestígio em uma produtora que desse oportunidade aos iniciantes. Daí em diante, que as qualidades artísticas prevaleçam. Contudo, isso dá trabalho, custa dinheiro e não massageia o ego.

Assim como eu critico a visão simplista do #OscarSoWhite, não podemos achar que outras variáveis não influenciam na decisão dos produtores. Podemos, inclusive, encontrar quem coloque seus preconceitos acima dos negócios e da arte.

Apesar do cinema ser a sétima arte, a arte foi a maior vítima desse debate. O discurso do #OscarSoWhite empurrou para a sombra o mérito artístico dos indicados e não evidenciou o maior problema da Academia, a sua progressiva irrelevância artística.

Faz uns bons anos – lá pelo começo dos anos 2000 – que a Academia indica trabalhos comportados, que não desafiam os limites da linguagem cinematográfica. Quando não, são realmente filmes ruins. Isso vale para todas as categorias. Filmes inovadores como Drive foram esquecidos. Este ano, Sicário está em somente 3 categorias. Quentin Tarantino e P.T. Anderson, dois dos diretores mais importantes da atualidade, não levaram nenhuma estatueta de melhor diretor. E para citar um ator negro, Samuel L. Jackson fez atuações esplendidas em Django Livre e em Os Oito Odiados e não foi indicada.

Samuel-L-Jackson-Oldboy

A Academia também não prestigia o melhor dos blockbusters, como a Trilogia Batman de Christopher Nolan, por exemplo. Ora, até os críticos enxergam méritos em muitas superproduções, mas a Academia não?? Mesmo reconhecendo que o nível de Hollywood já foi bem melhor, um prêmio da indústria esnobar os bons produtos dessa indústria causa espanto.

Poderia desfiar uma centena de grandes esquecidos e a conclusão seria a mesma: a Academia ao invés de liderar a inovação, torna-se um museu sem grandes novidades. Ao invés de focar no melhor de sua indústria, foca no mediano, fazendo do Oscar um merchan de filmes produzidos, muitos vezes, para ganhar… o Oscar! Raros são os anos nos quais os indicados, de ponta a ponta, eram filmes para a posteridade. Este ano, basicamente Mad Max: Estrada da Fúria pode ser chamado de ousado. A estrutura da Academia ajuda a explicar esse fenômeno.

São seis mil (isso mesmo, 6.000) membros, não só norte-americanos. São pessoas que atuam nas mais diversas áreas da indústria do cinema. No fundo, pessoas comuns, como eu e você, com suas singularidades, seus gostos, preconceitos, qualidades e defeitos. Para voltarmos ao ponto inicial deste texto, é surreal imaginar um complô desse pessoal contra os negros. Alguém poderia puxar o dado de que a maioria dos membros são homens e brancos, como se isso embutisse nessa gente um pensamento único. Indo além desse coletivismo tacanho, prefiro seguir outra lógica, a de que com seis mil membros, facilmente o gosto médio se sobressai. Claro que nem todos votam, é preciso estar com a anuidade em dia!

Com esse cenário, fica mais fácil perceber a raiz do processo de irrelevância pelo qual vem passando o Oscar. A presidente Cheryl Boone Isaac propôs algumas mudanças buscando uma academia com maior representatividade, em resposta à campanha #OscarSoWhite. Não acho que as propostas vão dar resultado no curto prazo. As propostas focam nas questões de raças, gêneros, idade, etc, e esquecendo a parte estética.

Não sei dar uma solução para essa progressiva irrelevância. Espero que os baixos índices de audiência da cerimônia do Oscar ajudem a Academia a achar a solução. Pessoalmente, torça para que as propostas tenham como efeito colateral a melhora da qualidade artística das indicações. O que não é necessário sinônimo de diversidade racial, sexual, religiosa, política, etc. Se amanhã, as melhores obrar foram de descendentes de latinos, que os latinos sejam a maioria entre os indicados.

O que certamente não contribui nem para melhoria dos padrões artísticos das indicações, nem para os profissionais iniciantes (de qualquer cor), muito menos para conscientizar alguém de algum erro, é a campanha #OscarSoWhite. Não se enganem, assim como a falta de negros entre os indicados tem múltiplas causas, certamente as motivações de Spike Lee, Jada Pinkett Smith e companhia vão além do sentimento de justiça social.

Spike Lee 2

Oscar não é só reconhecimento artístico. É prestígio, é bilheteria, são novas propostas de trabalho, é poder. A probabilidade de figuras como Spike Lee e Jada Pinkett Smith, cujas carreiras andas bastante irrelevantes, terem motivações pouco nobres não é descartável. Mesmo Will Smith pode pisar em falso. Ele vem de um período de vacas magras. Seu filme Um Homem Entre Gigantes parecia ser um novo gás na carreira. Com a quebra das expectativas de uma indicação, o filme murchou. Dificilmente poderemos confirmar, mas estamos falando de sentimentos bem comuns entre as pessoas.

Em qualquer competição artística, razões não artísticas invadem o juízo dos votantes. Ao invés de lutar para que o mérito estético prevaleça, a campanha #OscarSoWhite coloca mais coisa (a questão racial) para desviar a votação do que interessa: escolher quem produzir bons trabalhos. Também lançar dúvidas sobre futuros negros indicados. Se ano que vem o filme The Birth of a Nation, do diretor Nate Parker, levar muitos Oscars, mesmo que toda a crítica jure que o filme é esplendido, ficará a dúvida se o prêmio foi por merecimento ou por pressão de movimentos como o #OscarSoWhite. Parabéns, Spike, parabéns, Jada, vocês podem ter conseguido uma cota para vocês, mas também ganharam a sombra dessa dúvida.

Espero que a Academia encontre o rumo da relevância estética. Que nos próximos anos, os indicados sejam grandes filmes. E que as pessoas entendam que preconceito não é privilégio de branco. Todos temos preconceitos, alguns contra negros, outros até contra eleitores do Partido Republicano. Não se preocupe, você ainda vai achar o seu! Quando achar, tente pensar que as pessoas vão muito além de uma única característica. Não é fácil combater um preconceito, ao menos dá mais trabalho do que bolar hashtag.

Nota: Link da revista The Economist: http://www.economist.com/blogs/prospero/2016/01/film-and-race

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