O condicionamento da mente é uma das armas mais poderosas que existe. Impregnada no subconsciente, ela é capaz de virar a chave de ideais e ideologias que adotamos pela vida. Boa ou ruim, ela pode adotar a face de uma suposta verdade que vem para romper com uma mentira. Se materializando como as cordas de nylon que regem um fantoche, ela é o método de reprogramação da mente para humanos. No episódio ‘Other Women’, de The Handmaid’s Tale, o instinto materno de June, embaralhado com o seu inerente instinto de sobrevivência, se trombam e se confundem, trazendo à tona o que talvez seja o momento mais frágil da história da personagem.
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Novamente construindo o presente com flagelos do passado, a narrativa acrescenta outras peças a essa perturbadora Gilead. Cercada por rituais pagãos que usam uma fachada pavorosa e mentirosa do cristianismo, essa terra de ninguém, intocável para os de fora e intransponível para os de dentro, se mostra cada vez mais subversiva e doentia. Regida pelo condicionamento da mente, princípios têm seus valores trocados. O que antes era direito à expressão, agora é chamado de terrorismo. A fuga, também é popularmente conhecida como sequestro. Nesse contexto emocionalmente confuso, duas personalidades digladiam em June. Aquela com a qual nasceu e a que lhe cabe no momento, mediante as circunstâncias.
Em meio a esta espiral declinante, o brilho voraz dos olhos de June se perde em outro tipo de condicionamento mental. Palavras manipuladoras e a supressão de sua consciência formam o combo que leva a brava protagonista para uma jornada que parece sem volta. A tal reprogramação se instala, deixando a personagem absolutamente nua diante das audiências. Com os seus azuis olhos constantemente marejados, ângulos desconfortáveis extraem a dureza de ser uma mulher naqueles dias atuais. Sozinha, com seus pensamentos em frangalhos, cada pedacinho é recolhido pela impiedosa tia Lydia (Ann Dowd), que sabe exatamente como unir as partes de maneira a enlouquecer a mente mais resistente e sã.
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E ainda que o quarto capítulo da saga da aia não tenha o mesmo teor impactante que seus predecessores, ‘Other Women’ sustenta sua força na surpreendente atuação de Elisabeth Moss. Com os hormônios naturais de uma gravidez à flor da pele, ela é também fruto das suas mais recentes e desafiadoras escolhas. Ainda disposta a lutar um pouco mais pela sua e pela vida de seu bebê – ainda que esteja novamente enclausurada, ela se depara com um caminho completamente conflituoso: abrir mão da sua vida, para que aquela do seu ventre nasça. Mesmo que o contexto não seja nem um pouco dos melhores.
Condicionada a aceitar o peso dos crimes deste governo totalitarista, ela assume para si aquilo que mais temíamos desde a primeira temporada: o direito de desistir de si mesma. Com seus ideais dilacerados no tempo, o único fio que lhe vincula a uma realidade diferente da de Gilead são as memórias de um passado que existe apenas em seus pensamentos. E então, paira em nós uma dolorosa pergunta: até quando o emocional desestruturado é capaz de se sustentar em uma verdade que é apenas um flashback derradeiro? Fica a lacuna à deriva na mente até o próximo capítulo.