sábado , 21 dezembro , 2024

‘The Handmaid’s Tale’ | 2×03: ‘Baggage’ – O peso das decisões que não tomamos

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Não é de hoje que as mulheres precisam lutar para provar que merecem o espaço que ocupam. Em uma sociedade acostumada com algumas mordaças sociais, testemunhar o despertar do mundo em geral em relação ao que tem sido manifestado há tantas décadas por elas, pode ser mesmo assustador. É uma “época chata para se viver”, murmuram alguns. É “exagero”, esbravejam outros. Independente da percepção absorvida pelos olhos e ouvidos que acompanham as mudanças nas dinâmicas relacionais e profissionais, a verdade é que elas se fazem necessárias, quer algumas pessoas entendam ou não. E o episódio ‘Baggage’ de The Handmaid’s Tale evidencia o quanto isso é real.

Leia também nossas análises dos episódios 1 (June) e 2 (Unwomen) da 2ª Temporada



Poucos minutos antes do terceiro capítulo começar, a visão que temos deste complexo sistema de governo totalitarista é que ele teria ganhado corpo gradativamente, em silêncio, em espaços discretos e selados, onde as atenções estariam mais dispersas. Mas como o próprio título anuncia, havia uma bagagem. E aqui, não apenas uma, mas várias são abertas diante dos nossos olhos, nos levando como espectadores oniscientes, que passeiam pelos pensamentos, frustrações e temores de June, conforme contemplamos recortes de antigos jornais que sinalizavam, aqui e acolá, o que seria essa nova era. Gilead se desenhava em artigos e matérias denunciativas, mas a dispersão parecia ser grande demais. Talvez tudo fosse apenas mais uma manifestação de um mundo que caminha a passos lentos em se tratando da libertação feminina. Era só mais uma. Só que não era.

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Em ‘Baggage’, June nos permite encontrar novas peças deste vasto quebra-cabeça que abrange todos os arcos de The Handmaid’s Tale. Em uma profunda e penosa reflexão, ela reconstitui seu relacionamento com sua mãe, vivida bravamente pela veterana Cherry Jones. Aqui, ela pondera com peso no coração o entusiasmo da matriarca, funcionária de uma clínica de aborto e militante, com as decisões que a vida adulta impuseram a ela, sua filha. Dispersa diante das antigas lutas travadas pela mãe e por suas companheiras, ela foi uma criança aquém ao contexto familiar que a rodeava, o que gerou um certo distanciamento emocional entre ambas. Essa lacuna aumenta com o passar dos anos, revelando-se nos caminhos adotados por cada uma. Ainda que compartilhassem o mesmo DNA, suas personalidades denunciavam uma separação evidente e latente. O peso das escolhas não feitas vieram, eventualmente, a calhar na pior das circunstâncias. E entre a ansiedade de quem aguarda o socorro e o temor de ser descoberta, June retoma o passado em sua mente, tentando aceitar o que parece ser inaceitável.

‘The Handmaid’s Tale’: Falamos com Bruce Miller, o criador da série sensação

Em um capítulo que eleva os batimentos cardíacos, à medida que nos leva a crer que a libertação está mais próxima do que nunca, June busca redenção na sobrevivência. Tentando administrar todos os conflitantes sentimentos que permeiam os flashbacks do seu passado, ela também tenta tirar o sabor agridoce que a iminente fuga lhe trará. Ao rever alguns momentos clínicos de sua vida, ela tenta reencontrar uma fagulha de esperança que não torne sua jornada para além das fronteiras de Gilead em vão. Nesse emaranhado de emoções distintas, descobrimos outras camadas de Gilead, respondendo a alguns questionamentos sobre até que ponto o sistema alcança e quais são seus desdobramentos.

Essa jornada angustiante da protagonista ainda nos leva para outros quarteirões e outras paisagens de Gilead, nos retirando do pequeno metro quadrado que corresponde ao círculo de Offred e daquelas aias com as quais já nos habituamos. Em um ambiente gélido e pálido, a luz do sol novamente se torna um figurante, parecendo desviar seu vigor para outros campos, outras cidades. Com um visual monocromático estampado em figurinos com tons de cinza, que não valorizam as feições masculinas e decrepitam a beleza feminina, o episódio traz também personagens efêmeros mas bem construídos, que estão ali para encorpar a trama e evidenciar até onde as fronteiras fundamentalistas dessa nova velha América se estendem. Com pouco espaço de tempo em tela, seus diálogos são pontuais e específicos, acrescentados por belas atuações expressivas. O suficiente para ampliar nossa dimensão do cenário que June e nós nos encontramos.

Com um tom de denúncia em sua escrita, Baggage faz um apelo às mulheres. Se desviando do aspecto ficcional da trama, assumindo para si um ritmo mais documental, The Handmaid’s Tale nos lembra porque certas lutas foram travadas, sejam elas pelas sufragistas, sejam pela simbólica Queima dos Sutiãs. Através da percepção tardia de June em relação ao seu posicionamento diante dos pequenos fatos que os jornais já sinalizavam no passado, somos confrontados com o tipo de papel que nós – homens e mulheres – temos tomado diante de tantas circunstâncias semelhantes. Somos vozes que se calam ou esbravejam? Apoiamos a objetificação do sexo feminino ou vemos além das suas curvas? O que os nossos olhos têm visto? Nos calamos ou nos posicionamos diante disso? Tais questionamentos pairam no ar, geram até mesmo observações desconfortáveis como aquelas do começo. Mas são suas respostas que definirão os próximos 50 anos da sociedade contemporânea.

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Não é de hoje que as mulheres precisam lutar para provar que merecem o espaço que ocupam. Em uma sociedade acostumada com algumas mordaças sociais, testemunhar o despertar do mundo em geral em relação ao que tem sido manifestado há tantas décadas por elas, pode ser mesmo assustador. É uma “época chata para se viver”, murmuram alguns. É “exagero”, esbravejam outros. Independente da percepção absorvida pelos olhos e ouvidos que acompanham as mudanças nas dinâmicas relacionais e profissionais, a verdade é que elas se fazem necessárias, quer algumas pessoas entendam ou não. E o episódio ‘Baggage’ de The Handmaid’s Tale evidencia o quanto isso é real.

Leia também nossas análises dos episódios 1 (June) e 2 (Unwomen) da 2ª Temporada

Poucos minutos antes do terceiro capítulo começar, a visão que temos deste complexo sistema de governo totalitarista é que ele teria ganhado corpo gradativamente, em silêncio, em espaços discretos e selados, onde as atenções estariam mais dispersas. Mas como o próprio título anuncia, havia uma bagagem. E aqui, não apenas uma, mas várias são abertas diante dos nossos olhos, nos levando como espectadores oniscientes, que passeiam pelos pensamentos, frustrações e temores de June, conforme contemplamos recortes de antigos jornais que sinalizavam, aqui e acolá, o que seria essa nova era. Gilead se desenhava em artigos e matérias denunciativas, mas a dispersão parecia ser grande demais. Talvez tudo fosse apenas mais uma manifestação de um mundo que caminha a passos lentos em se tratando da libertação feminina. Era só mais uma. Só que não era.

Em ‘Baggage’, June nos permite encontrar novas peças deste vasto quebra-cabeça que abrange todos os arcos de The Handmaid’s Tale. Em uma profunda e penosa reflexão, ela reconstitui seu relacionamento com sua mãe, vivida bravamente pela veterana Cherry Jones. Aqui, ela pondera com peso no coração o entusiasmo da matriarca, funcionária de uma clínica de aborto e militante, com as decisões que a vida adulta impuseram a ela, sua filha. Dispersa diante das antigas lutas travadas pela mãe e por suas companheiras, ela foi uma criança aquém ao contexto familiar que a rodeava, o que gerou um certo distanciamento emocional entre ambas. Essa lacuna aumenta com o passar dos anos, revelando-se nos caminhos adotados por cada uma. Ainda que compartilhassem o mesmo DNA, suas personalidades denunciavam uma separação evidente e latente. O peso das escolhas não feitas vieram, eventualmente, a calhar na pior das circunstâncias. E entre a ansiedade de quem aguarda o socorro e o temor de ser descoberta, June retoma o passado em sua mente, tentando aceitar o que parece ser inaceitável.

‘The Handmaid’s Tale’: Falamos com Bruce Miller, o criador da série sensação

Em um capítulo que eleva os batimentos cardíacos, à medida que nos leva a crer que a libertação está mais próxima do que nunca, June busca redenção na sobrevivência. Tentando administrar todos os conflitantes sentimentos que permeiam os flashbacks do seu passado, ela também tenta tirar o sabor agridoce que a iminente fuga lhe trará. Ao rever alguns momentos clínicos de sua vida, ela tenta reencontrar uma fagulha de esperança que não torne sua jornada para além das fronteiras de Gilead em vão. Nesse emaranhado de emoções distintas, descobrimos outras camadas de Gilead, respondendo a alguns questionamentos sobre até que ponto o sistema alcança e quais são seus desdobramentos.

Essa jornada angustiante da protagonista ainda nos leva para outros quarteirões e outras paisagens de Gilead, nos retirando do pequeno metro quadrado que corresponde ao círculo de Offred e daquelas aias com as quais já nos habituamos. Em um ambiente gélido e pálido, a luz do sol novamente se torna um figurante, parecendo desviar seu vigor para outros campos, outras cidades. Com um visual monocromático estampado em figurinos com tons de cinza, que não valorizam as feições masculinas e decrepitam a beleza feminina, o episódio traz também personagens efêmeros mas bem construídos, que estão ali para encorpar a trama e evidenciar até onde as fronteiras fundamentalistas dessa nova velha América se estendem. Com pouco espaço de tempo em tela, seus diálogos são pontuais e específicos, acrescentados por belas atuações expressivas. O suficiente para ampliar nossa dimensão do cenário que June e nós nos encontramos.

Com um tom de denúncia em sua escrita, Baggage faz um apelo às mulheres. Se desviando do aspecto ficcional da trama, assumindo para si um ritmo mais documental, The Handmaid’s Tale nos lembra porque certas lutas foram travadas, sejam elas pelas sufragistas, sejam pela simbólica Queima dos Sutiãs. Através da percepção tardia de June em relação ao seu posicionamento diante dos pequenos fatos que os jornais já sinalizavam no passado, somos confrontados com o tipo de papel que nós – homens e mulheres – temos tomado diante de tantas circunstâncias semelhantes. Somos vozes que se calam ou esbravejam? Apoiamos a objetificação do sexo feminino ou vemos além das suas curvas? O que os nossos olhos têm visto? Nos calamos ou nos posicionamos diante disso? Tais questionamentos pairam no ar, geram até mesmo observações desconfortáveis como aquelas do começo. Mas são suas respostas que definirão os próximos 50 anos da sociedade contemporânea.

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