sexta-feira, abril 26, 2024

Artigo | Os 17 anos de ‘A Noiva Cadáver’, a pérola animada de Tim Burton

‘A Noiva Cadáver’ é uma das animações mais conhecidas pelo público infanto-juvenil e até mesmo pela audiência que cresceu acompanhando as obras de Tim Burton. Além de conversar em diversos âmbitos através de uma narrativa mirabolante e que traz inúmeras referências à sutileza e à ambiguidade dos clássicos contos de fada, o filme marca um retorno do cineasta para sua zona de conforto sem se valer das saídas formulaicas e podendo explorar o bizarro em sua forma mais pura, até mesmo valendo-se de algumas inclinações para o caricato.

Primeiramente, devo dizer que qualquer stop-motion merece uma visita, ainda que o resultado não seja satisfatório o suficiente. Entretanto, nesse longa-metragem, tudo é trilhado por um caminho eximiamente bem construído que preza por uma fluidez cênica aplaudível. Todos os personagens são dotados de movimentos teatrais e burlescos que conversam com características próprias da commedia dell’arte, até mesmo em suas representações faciais. Desse modo, espere encontrar inúmeros estereótipos colocados um ao lado do outro e que, dentro do mórbido escopo idealizado tanto por Burton quanto pelo co-diretor Mike Johnson, são aproveitados ao máximo dentro de uma atmosfera tragicômica incrível. As concepções estéticas resgatam também homenagens à distorção de O Estranho Mundo de Jack’, seja pelas construções corporais exageradas – muito magras e altas ou muito gordas e baixas -, seja pelos movimentos floreados.

E além de tudo isso, essa é uma narrativa bem diferente de todas as outras por inclinar-se às vertentes musicais; essa fábula vitoriana gira em torno do jovem e descuidado Victor Van Dort (Johnny Depp, marcando mais uma colaboração com o cineasta), que tenta portar-se como um cavalheiro à medida em que seu casamento arranjado com a pálida e assustada Victoria Everglot (Emily Watson) para que as duas família finalmente encontrem um pouco de estabilidade financeira em meio à crescente crise da Inglaterra. De forma quase imperceptível, o pano de fundo é colocado como base para a construção das múltiplas subtramas, incluindo a tendência amalgamada entre teocentrismo e capitalismo, a subjugação à santidade do matrimônio e o conservadorismos dos valores tradicionalistas das famílias nobres.

Esse conflito ideológico é muito visto entre os pais do futuro casal, os quais abrem o filme em uma incrível sequência com a música According to Plan”: vemos a diferença entre ambos os núcleos, um otimista, acompanhado por uma animação melancólica do órgão, e o outro pautado no pessimismo claro, refutado tanto por suas expressões de desgosto quanto pela construção sonora que preza pelos tons mais graves. De qualquer forma, esses dois grupos extremamente distintos almejam pela mesma coisa – e já podemos imaginar que esse desejo nunca será concretizado pela atmosfera que os circunda: a construção do pequeno vilarejo é tomado por uma paleta monocromática neutra, pendendo para o frio, e que funciona como um receptáculo carcereiro para seus habitantes, os quais permanecem em uma inquebrantável rotina.

Tal ciclo é reafirmado também nos momentos iniciais, em que a câmera habilmente desliza pela tela nos apresentando a diversos tipos sociais – o magnata, o peixeiro, o vendedor – em movimentos repetitivos que seguem o tique-taque de um relógio de fundo, colocado como estratégia metadiegética que se mantém pelos breves oitenta minutos de exposição, ainda que não o tempo todo.

As coisas começam a desandar com o fracasso do ensaio de casamento, que culmina na entrada do principal antagonista da trama, o charmoso e charlatão Lorde Barkis Bittern (Richard E. Grant), que logo de cara dá a entender ser um dos obstáculos para a conquista do final feliz de cada figura. Após ser duramente criticado pelo Pastor Galswells (Christopher Lee), Victor aventura-se pelas sombrias e enevoadas florestas que circundam o vilarejo para treinar seus votos, acidentalmente fazendo o pedido para o corpo semienterrado de uma cadáver, a qual levanta de seu túmulo para levá-lo ao mundo dos mortos.

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Helena Bonham Carter retorna para sua terceira colaboração com Burton, seguindo um padrão de afinidade que também se repete com Depp, dando vida a uma trágica noiva desiludida que foi assassinada enquanto esperava seu amor verdadeiro à sombra de um carvalho para fugirem. Ela finalmente parece ter encontrado a sua paz quando Victor a pede em casamento, iludindo-se ao extremo e levando-o para o mundo dos mortos, cuja construção é muito mais vívida que o dos vivos, ironicamente. Além das estruturas distorcidas e irreverentes e de uma composição que preza pelo uso profuso de inúmeras cores complementares. Até mesmo os personagens não seguem o mesmo padrão, sendo caracterizados das mais diversas formas até encontrarem uma “estabilidade instável” em suas próprias completudes. É exatamente isso o que os torna envolventes e únicos, muito mais que a inexpressividade acinzentada dos vivos.

A noiva, intitulada Emily, tem o seu arco já finalizado desde o começo, não havendo muito espaço para amadurecimento, mas sim para respaldar a compreensão de Victor em relação ao que aconteceu. Ele tenta de diversas formas retornar para sua antiga vida através de indetectáveis mentiras e consegue eventualmente avisar Victoria do que está acontecendo. A partir daí, entramos em uma montagem paralela que fornece complexidade para os personagens e que trilham caminhos diferentes até encontrarem um ponto em comum, no qual os três protagonistas se veem cara a cara, enfrentando a grande revelação do meio do terceiro ato que envolve a real identidade de Lorde Barkis.

Talvez o grande problema da animação seja sua duração: os eventos do segundo ato correm em uma velocidade desnecessária, e nem mesmo a belíssima rendição de Remains of the Day” por Danny Elfman como o esqueleto dançarino Bonejangles consegue ofuscar esse frenesi narrativo. O longa em si passa em um piscar de olhos, mas Burton e Johnson poderiam ter se estendido um pouco mais sem perder o ritmo para suprimir uma necessidade além de básica por parte do público, o qual acaba desfrutando apenas da superfície da história. A chegada do último bloco realmente consegue retomar as rédeas e traz comédia, drama e ação em um mesmo ambiente, mas não deixamos de nos sentir um pouco incomodados com o gostinho de “quero mais”.

‘A Noiva Cadáver’ é um filme extremamente envolvente que poderia ter usado e abusado de sua potencialidade ao máximo. Mas não podemos tirar o crédito de seus realizadores, visto que eles entregam uma iteração incrível às animações, criando ambientes mórbidos e perscrutados com o melhor da tragicomédia, além de utilizarem-se muito bem das técnicas em stop-motion para garantir fluidez e animosidade através do encontro de dois mundos totalmente distintos.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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