sexta-feira, abril 26, 2024

Conheça Schitt’s Creek, a série que dominou o Emmy 2020

O 72º Emmy Awards pode até ter sido uma cerimônia bem atípica, mas não foi exatamente uma noite de grandes surpresas quando falamos da lista de vencedores. O prêmio de Zendaya como melhor atriz em série dramática, a bem verdade, foi um destes agradáveis momentos inesperados que vêm uma vez a cada década e renovam nossas esperanças na humanidade. Mesmo assim, em geral, o quadro de vitórias ficou dentro do esperado. ‘Succession’ dominou as categorias dramáticas, ‘Watchmen’ foi a dona das séries limitadas e ‘Schitt’s Creek’ não deixou sobrar nada nas séries de comédia. Se as duas tramas da HBO são figuras carimbadas junto ao público, a pergunta que ficou para muita gente é: de onde saiu essa outra série?

O fenômeno da série canadense, previsto pelas boas análises de vencedores, fez história no Emmy. Nunca, nos 72 anos de existência do prêmio da Academia, uma série de comédia havia vencido todas as categorias principais em um único ano — o feito ocorreu em 2004 com a minissérie Angels in America. Além disso, a série também superou os recordes de ‘Fleabag’ e ‘Frasier’ como séries da categoria que tiveram a última temporada mais premiada, e acumula um total de 9 estatuetas. A confusão por parte do público brasileiro, compreensível levando em conta o quanto a série permaneceu obscura por aqui, demonstrou uma certa reticência diante de tanta paixão por uma produção que “simplesmente brotou” no último ano sem jamais ter tido uma trajetória impactante na premiação. 

Mas isso é exatamente o que faz da sua jornada algo tão particular, e que exala ares de mudanças positivas na votação. ‘Schitt’s Creek’ é uma série canadense, produzida pelo canal CBC e exibida nos Estados Unidos pelo minúsculo Pop TV, que recentemente resgatou One Day at a Time do cancelamento pela Netflix. Criada por Dan Levy com o auxílio de seu pai, Eugene Levy, a série conta a história de uma família milionária que certo dia vê todos os seus bens confiscados pela justiça — eles foram vítimas de uma fraude que acabou por deixá-los apenas com algumas malas de roupas e a posse de uma única propriedade, para que tivessem onde morar: a minúscula cidade de ‘Schitt’s Creek’, que eles compraram de forma irônica e nem sequer se lembravam.

Eugene Levy, Catherine O’Hara, Dan Levy e Annie Murphy reunidos para o Emmy 2020, no Canadá

O desconforto que a família Rose sente ao chegar na cidade — recebidos por um prefeito para lá de esquisito, morando em um hotel de beira de estrada mal equipado e decadente — é diretamente proporcional ao desconforto que sentem precisando lidar com a companhia um do outro. Moira (Catherine O’Hara), Johnny (Eugene Levy), David (Dan Levy) e Alexis (Annie Murphy) raramente passavam tempo juntos como uma família, e a nova situação financeira os força a mudarem isso.

Dotada de uma comédia prática que muito se equilibra no choque cultural dos Rose com o restante da rotina da cidade (e na transição de gente rica aprendendo a ser simpática com gente simples), ‘Creek’ vai ganhando o público tanto pelo seu aspecto confortável e familiar quanto pela forma como aos poucos desvela o emocional dos personagens, sem jamais deixar de lado seu aspecto majoritariamente cômico. Estamos em uma época da televisão em que comédias puramente cômicas e episódicas (tais como Creek e ‘What We Do in the Shadows’) são cada vez mais raras e escanteadas em favor de comédias bem mais subjetivas, e a permanência de atrações como Creek também simboliza a eficácia do modelo intrinsecamente televisivo.

Neste sentido, em um ano tão pelo avesso como 2020, em que tanta gente tem redescoberto ‘The Office’ e séries como ‘Modern Family’ voltaram ao gosto do público pelo aspecto maratonável durante uma pandemia, o aconchego de ‘Schitt’s Creek’ funciona a seu favor. A temporada final da série estreou em janeiro deste ano, e terminou em abril, quando já estávamos em pleno isolamento social e o refúgio que ela trouxe foi muito bem-vindo. A força-motriz que é a atuação da veterana Catherine O’Hara também não passa despercebida, mas há outro fator essencial para a ressurgência de ‘Schitt’s Creek’, e ele se chama Netflix.

Por mais que fosse exibida nos Estados Unidos por um canal de TV linear, a série começou a ser descoberta no país quando entrou para o catálogo da gigante do streaming, e rapidamente ganhou tanto audiência quanto público. Isso foi o que garantiu as surpreendentes indicações que a série recebeu por sua quinta temporada: melhor ator e atriz em comédia, melhor série de comédia e melhor figurino contemporâneo. 

Embora tenha saído de mãos vazias em 2019, enfrentando o furacão ‘Fleabag’, ali a série furou uma bolha importante. É raro que séries nunca indicadas antes tenham força o bastante para chegar às categorias principais depois de tanto tempo no ar, e justamente ela ter estado fora do radar durante seus quatro primeiros anos talvez a tenha ajudado a conquistar tal proeza.

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Mas foi quando a série apareceu com 15 indicações ao Emmy 2020 que ficou claro o quanto a Academia de Artes e Ciências Televisivas estava realmente interessada no que acontecia do outro lado da fronteira da América do Norte.

Aqui, dois fatores contam para compreender por que ‘Schitt’s Creek’ veio tão forte. O primeiro é o fato de que as demais concorrentes a melhor série de comédia não estavam em suas melhores formas — a outra provável vencedora, ‘The Marvelous Mrs. Maisel’, já havia perdido o holofote quando deu espaço para ‘Fleabag’, e além disso sua 3ª temporada foi a mais inconstante e repetitiva até agora. A queridíssima ‘The Good Place’, também concorrendo por sua temporada final, parece nunca ter ganhado a graça da Academia — sempre concorrendo, nunca vencedora, e apesar de o episódio final ter sido belíssimo, a temporada em si soou irregular e com um ritmo descompassado. ‘What We Do in the Shadows’ também seria uma vencedora justa, mas infelizmente a série não teve uma campanha forte o bastante. Tudo isso aliado à ótima recepção do sexto e último ano de ‘Schitt’s Creek’, temos um único resultado: a série tinha um caminho aberto.

O segundo fator está ligado a uma tradição da Academia de “corrigir trajetos” aos 48 minutos do segundo tempo. Jon Hamm só foi levar o prêmio de melhor ator em série drama em 2015, em seu oitavo ano consecutivo concorrendo na categoria por ‘Mad Men’. ’24 Horas’ só venceu o prêmio de melhor série drama pela 5ª temporada, embora tenha concorrido também com todas as anteriores. ‘Friends’ só venceu pela 8ª. Por isso, quando olhamos para as 15 indicações que o último ano de ‘Schitt’s Creek’ recebeu, era de se suspeitar que uma dessas correções de rota estava por vir.

Dessa forma, ‘Schitt’s Creek’ se consagra duplamente — furou uma bolha e quebrou um recorde, com uma das jornadas mais peculiares de uma série no prêmio da Academia. A ideia de que “pouca gente viu” e que é “obscura demais”, forte entre a audiência brasileira, ocorre porque esta mesma demora de a série estourar nos Estados Unidos aconteceu na América Latina, e sua estreia por aqui se deu de forma obscura e pouco divulgada no streaming Paramount+ e no canal Comedy Central. Por mais triste que seja o fato de ‘The Good Place’ concluir sua história sem uma vitória sequer, não significa que seja uma conquista injusta para Dan Levy e companhia. Se o mundo fosse um pouco mais como é em ‘Schitt’s Creek’, provavelmente não estaríamos no meio de uma pandemia em século 21. 

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Laysa Zanettihttps://cinepop.com.br
Repórter, Crítica de Cinema e TV formada em Twin Peaks, Fringe, The Leftovers e The Americans. Já vi Laranja Mecânica mais vezes que você e defendo o final de Lost.

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