Crítica | Alicerçado no soul e no jazz, ’30’ é o álbum mais maduro e pessoal de Adele

Adele não é um nome conhecido mundialmente por qualquer motivo: a cantora e compositora britânica ascendeu a um sucesso estrondoso depois do lançamento de seu álbum de estreia, ‘19’, arrecadando enorme aclamação crítica com as duas produções seguintes que a eternizaram como uma das grandes vozes da contemporaneidade. Mencionar o arremate financeiro da artista é quase cair na redundância, visto que ela detém o disco mais vendido de todos os tempos do Reino Unido e, no topo disso, coleciona 15 estatuetas do Grammy e um Oscar de Melhor Canção Original por “Skyfall”, do longa-metragem homônimo estrelado por Daniel Craig. Agora, seis anos desde seu último lançamento, Adele está de volta para conquistar nossos corações com narrativas pungentes e extremamente pessoais.

Já tendo passado dos trinta anos, a única direção em que a performer poderia seguir era o do amadurecimento – da mesma maneira que vimos acontecer com nomes como Lady Gaga, Gwen Stefani e Taylor Swift. É claro que ‘30’, desde seu inesperado lançamento, já fomentava inúmeras expectativas e um dos comebacks mais aguardados da década, algo que Adele definitivamente cumpriu com enorme êxito. Seu quarto álbum de estúdio, estendendo-se por doze faixas de puro êxtase criativo, é uma carta de amor para si mesma e a representação do profundo processo de cura em que se lançou após o divórcio (uma drástica mudança para qualquer um que enfrente algo similar). Novamente se apoiando no soul, no pop e no jazz, a cantora explorou territórios ainda inóspitos dentro de sua carreira, mas sem deixar sua identidade de lado – o que significa vocais esplêndidos, versos de tirar o fôlego e uma produção aplaudível do começo ao fim.

Há quem diga que Adele se vale demais de um drama excessivo, mas não é isso que encontramos: a vibrante e divertida personalidade da artista é apenas um contraponto àquilo que seu coração guarda de mais íntimo, transformando dor em arte e em vulnerabilidade como ninguém. Logo na abertura, “Strangers By Nature”, ela ata uma inesperada colaboração com o vencedor do Oscar Ludwig Göransson (‘Rocky’, ‘Pantera Negra’) que demonstra uma paixão pela teatralidade. O verso “eu nunca vi o céu com esta cor antes” e a impactante presença de múltiplas camadas e de sintetizadores pagam a melhor das homenagens a Judy Garland e a Barbra Streisand, em uma ode musical que grita no próprio silêncio. Uma mimética similar ocorre também em outras faixas da produção, visto em “Woman Like Me”, que faz alusão à discografia da saudosa Amy Winehouse, e em “To Be Loved”, cujas melódicas notas do piano remontam à icônica Alicia Keys.

Mais do que nunca, Adele tem total controle de suas pulsões artísticas e sabe como oscilar entre a essência das baladas e a envolvência de incursões upbeat. O lead single do álbum, “Easy On Me”, logo ascendeu a uma das melhores entregas do ano pela atmosfera melancólica e a sutileza de um minimalismo comovente. A trama que se esconde por trás do potente instrumental permite que a performer se volte para uma nostalgia desconfortável e analise os arrependimentos e decepções que teve quando jovem – algo que não pode ser desfeito, mas que a ajudou a ser quem é hoje. Tal temática, de certa maneira, se alastra para “My Little Love”, uma cândida inflexão neo-soul e chamber folk que dialoga com a ótima “Remember Where You Are”. Aqui, os vocais de Adele, que exaltam o poder de um coro gospel, servem como uma acalentadora história de ninar em que ela percebe que ainda tem “muito a aprender”, conforme dialoga com o filho, Angelo.

Não são apenas as baladas taciturnas que permeiam o álbum – muito pelo contrário: como bem fez em discos anteriores, a artista se sente confortável o bastante para o evocativo blues de “Cry Your Heart Out”, um hino de empoderamento produzido por Greg Kurstin, colaborador de longa de data de Adele que também participa de diversas outras tracks. Em “Can I Get It” (que, na opinião deste que vos escreve é um dos ápices da obra), as escolhas instrumentais podem destoar um pouco das canções, mas serve como uma divisão entre dois atos muito bem definidos. Talvez o aspecto que nos mais chame a atenção seja o fato de ela insurgir como uma memorabilia que se alicerça em clássicos de Red Hot Chili Peppers e Oasis, apresentando um novo e interessante lado de sua personalidade.

Algumas escolhas técnicas podem soar repetitivas demais, mas nada que rendições emocionantes não as ofusquem. Escolhas de rimas não muito ousadas e problemas de fraseamento aparecem profusamente em “Woman Like Me” e “I Drink Wine” – porém, não fortes o bastante para mancharem todas as mensagens delineadas pela performer. E, à medida que nos aproximamos da conclusão dessa épica jornada, Adele volta com tudo com as irretocáveis “Hold On”, “To Be Loved” e “Love Is a Game” (esta última já entrando para as melhores músicas de sua carreira, alimentada pela retumbância do jazz e do R&B).

O antecipadíssimo retorno de Adele ao mundo da música premeditava dois caminhos a serem seguidos – e, como já era de se esperar, a artista fez o inimaginável para transformar ‘30’ em uma joia da indústria fonográfica contemporânea, em um compilado de criações autorreflexivas que ajudaram-na a compreender e a desenredar uma complicada fase de sua vida (eternizada, agora, em forma de arte).

Nota por faixa:

1. Strangers by Nature – 5/5
2. Easy on Me – 4,5/5
3. My Little Love – 4/5
4. Cry Your Heart Out – 4/5
5. Oh My God – 5/5
6. Can I Get It – 5/5
7. I Drink Wine – 3,5/5
8. All Night Parking (With Erroll Garner) Interlude – 5/5
9. Woman Like Me – 3,5/5
10. Hold On – 5/5
11. To Be Loved – 5/5
12. Love Is a Game – 5/5

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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