domingo, abril 28, 2024

Crítica | ‘Bem-Vindos à Vizinhança’ tem seus problemas, mas vale a pena pela angustiante jornada

Ryan Murphy é um dos realizadores mais prolíficos da atualidade e, ao longo de sua carreira, já deu vida a diversas produções que se tornaram bastante famosas e levaram diversos prêmios para casa – como as antologias ‘American Horror Story’ e ‘American Crime Story’, o drama ‘The Normal Heart’ e as séries ‘Hollywood’ e ‘Ratched’, apenas para citar alguns. Agora, depois de ter supervisionado a adorada minissérie ‘Dahmer: Um Canibal Americano’, Murphy retoma sua colaboração com a Netflix para ‘Bem-Vindos à Vizinhança’.

Composta por sete episódios, o show é baseado em uma arrepiante história real e, na adaptação, traz uma narrativa que acompanha a família Brannock. Depois de se cansarem da angustiante vida na gritante Nova York, eles resolvem se mudar para os subúrbios de Nova Jersey, para uma cidade chamada Westfield. Após encontrarem uma belíssima casa em uma idílica comunidade, a família decide que começar uma nova vida longe do barulho, da poluição e da excruciante sensação de que algo ruim poderia acontecer para dar o melhor que podem para os filhos e para si próprios. É aí que conhecemos a convencional dinâmica de Dean (Bobby Cannavale) e Nora Brannock (Naomi Watts). Dean posa como o patriarca e acredita que deve ser o responsável por prover para seus entes queridos; Nora, por sua vez, é uma artista plástica cuja carreira tem tudo para dar certo, ainda mais com várias galerias querendo expor seu trabalho. Além dos dois, temos os jovens Ellie (Isabel Gravitt) e Carter (Luke David Blumm), filhos do casal que procuram se adaptar à nova realidade.

Como podemos imaginar (sem ao menos ler a sinopse da minissérie), o suposto paraíso é logo desconstruído em uma espécie de pesadelo que destrói os Brannock dia após dia. Afinal, nas poucas horas que estão na casa nova, já entram em discussão com vizinhos estranhos que parecem não saber o significado de propriedade particular; mas o primeiro ponto de virada vem quando Dean recebe uma misteriosa carta datilografada de alguém que se denomina O Observador. A mensagem discorre sobre a ganância de uma família rica que não respeita a história da casa e que não deveria estar lá, chegando até a ameaçá-los de uma forma nada explícita. Pouco a pouco, a insanidade recai sobre os Brannock, levando-os a partir numa perigosa missão para descobrir os segredos que se escondem nos corredores e o que os aguarda em um futuro sinistro.

O enredo não é o dos mais originais, nem mesmo inserido num contexto real. Entretanto, isso não importa muito, considerando que o resultado é aprazível, apesar de obstáculos e problemas técnicos, bem como diálogos que poderiam ser mais bem lapidados. A ideia aqui, ao que tudo indica, é deixar que um ótimo elenco carregue a história e entregue-se de corpo e alma a um thriller que tem ares de sobrenatural, mas que, na verdade, é uma exploração da ambição desmedida do ser humano e a incapacidade de aceitar a perda. Murphy, responsável pela direção do episódio piloto e por boa parte dos roteiros, consegue construir uma lógica interna coesa, por mais que certas sequências sirvam mais como fillers do que ajudem no desenrolar da trama.

Pela primeira vez, o realizador e seu time criativo não mergulham em explorações estéticas exageradas, confinando-se às fórmulas dramáticas da televisão – seja no jogo de luz e sombra, seja no diálogo campo-contracampo. As “inovações”, se é que podemos chamá-las disso, vem numa sóbria e impetuosa paleta de cores que preza pela melancolia do marrom, do bege e do branco, tanto no escopo metropolitano de Nova York quanto na fugaz proteção de Westfield, declarando que os protagonistas não poderiam fugir do que lhes aguardava, não importava onde estivessem. À medida que vamos nos aproximando do grand finale, é notável como Murphy diz com todo o fôlego que o terror experimentado pelos Brannock está longe de acabar – e isso se concretiza quando ninguém encontra a identidade do Observador.

Enquanto Watts e Cannavale fazem um trabalho incrível, é o elenco coadjuvante quem rouba os holofotes. Temos Jennifer Coolidge saindo de uma merecida vitória no Emmy e interpretando Karen, uma corretora de imóveis que influencia Nora a vender a casa apenas para que ela possa colocar as mãos na “residência dos sonhos”; Christopher McDonald interpreta Rourke Chamberland, chefe da polícia local que posa como “mocinho”, mas é um homem recheado de problemas que o impedem de separar o pessoal do profissional; e Noma Dumezweni, facilmente a melhor atuação e o melhor aspecto da obra, como a detetive particular Theodora Birch, uma sagaz e pura mulher que faz de tudo para ajudar os Brannock.

Não deixe de assistir:

‘Bem-Vindos à Vizinhança’ pode não estar livre de deslizes amadores, mas não é uma perda de tempo. O maior equívoco é a frustração sentida pelos espectadores da falta de completude e de pontas soltas que apenas servem para mostrar que a configuração disfuncional da família protagonista continuará, não importa o quanto tentem voltar à normalidade. Apesar disso, a jornada que gira em torno dos Brannock vale a pena e nos mantém instigados (para o bem ou para o mal).

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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