Sem Direito a Resgate
Enquanto muitos cineastas esforçam-se para imprimir uma marca no cinema de autor, buscando reconhecimento e prestígio dentro do mercado – por vezes deixando sua pretensão passar por cima da acessibilidade -, outros desejam apenas contar histórias. Dentro desta simples aspiração, encontra-se Julia Rezende. Mas não me entenda errado, os filmes da diretora possuem tanta graça e qualidade que conseguem sobressair, inclusive, muito do que é produzido em nível afetado pelo primeiro grupo mencionado acima.
A cineasta é um dos nomes mais proeminentes do cenário atual e uma artista estabelecida na indústria. Julia Rezende faz filmes para o grande público. Obras acessíveis para todo tipo de espectador. Mas não é por isso que aposta no mais baixo denominador comum. Seus longas são confeccionados com esmero, com a ênfase que seria aplicada ao cinema independente autoral. A prova disso é a resposta positiva que Ponte Aérea obteve desde seu lançamento em 2015, enaltecido por fãs da sétima arte como uma das melhores produções dos últimos anos. Acima de tudo isso, é a prova de que qualidade pode vir sem ser mirada a um nicho.
Acostumada a dominar a cena em comédias e romances sobre relacionamentos, a carioca de 32 anos dá agora seu passo mais ambicioso, adicionando à mistura elementos de drama criminal. Como é Cruel Viver Assim evolui e amadurece o cinema de Julia Rezende. No entanto, a nova etapa é calculada e perfeitamente controlada pela diretora.
Adaptado por Fernando Ceylão, de sua própria peça teatral, o roteiro costura um crime orquestrado por moradores dos subúrbios carioca, como última opção para saírem do fundo do poço financeiro no qual se encontram. Vladimir, papel de Marcelo Valle, é aspirante a motorista, mas se vê desesperado quando as portas só batem na sua cara. Sua esposa Clívia, personagem da onipresente Fabiula Nascimento – em cartaz com o drama O Nome da Morte -, é quem sustenta a casa com a lavanderia herdada, a qual toca aos trancos e barrancos. Neste cenário, Vladimir resolve recorrer ao crime e o pedido é pelo sequestro.
Como é Cruel Viver Assim é uma comédia de erros, na qual personagens totalmente fora de suas alçadas resolvem investir em um plano criminoso, do qual não possuem qualquer conhecimento ou domínio sobre. Sabemos que a qualquer momento algo dará muito errado, e esperamos apenas este trem descarrilar afoitos.
Juntam-se ao casal protagonista: Primo, papel de Silvio Guindane (marido da diretora na vida real), o “171” da vizinhança, que não tem o melhor dos relacionamentos com a mãe super protetora, e Regina, a sempre ótima Debora Lamm, a piriguete local. O trabalho desta quadrilha de quinta é capturar um figurão a mando de Velho (Otávio Augusto), o Godfather da região.
Um dos chamarizes do longa é o empenho de seu elenco. Os talentosos intérpretes se entregam aos personagens como se buscassem prêmios. Embora seja uma comédia, existe carga dramática em todas as performances, indo e voltando entre estes dois gêneros tão distintos e ao mesmo tempo similares. Rezende e seu elenco acertam em cheio nesta tênue linha e caminham equilibrando-se sem titubear. Em momentos, sentimos por eles, deixando a emoção e a melancolia nos dominar. Em outros, gargalhamos com o timing cômico perfeito. Esta área de interseção na qual filme, personagens e atuações residem impressiona, já que é quase impossível de ser atingida.
Como é Cruel Viver Assim funciona em variados níveis. É uma comédia hilária. É um drama sobre a miséria emocional do ser humano e a busca pela convivência. E é um filme criminal de enervar, criando risadas tensas e suspense por seu desenrolar. O novo trabalho de Julia Rezende é produção comercial brasileira em sua melhor e mais plena forma.