quinta-feira, março 28, 2024

Crítica | Em seu álbum de estreia solo, ‘Índigo Borboleta Anil’, Liniker prova que é uma das maiores artistas da atualidade

Liniker de Barros Ferreira Campos, conhecida simplesmente pelo nome artístico de Liniker, é um dos grandes expoentes da música brasileira e uma das representantes da causa trans no Brasil. Tendo feito sua estreia no mundo da música com o grupo Liniker e os Caramelows, que renderam os ótimos álbuns ‘Remonta’ e ‘Goela Abaixo’, ela agora apresentou ao mundo o início de sua carreira solo – pouco tempo depois de ter feito uma grandiosa estreia com o drama brasileiro ‘Manhãs de Setembro’, da Amazon Prime Video. Em ‘Índigo Borboleta Anil’, lançado nos últimos dias nas principais plataformas de streamings, a cantora e compositora demonstra sua paixão pela lírica e demonstra um amadurecimento invejável que continua a pavimentar uma carreira recheada de sucessos e de uma importância inenarrável.

Em meio a tantos lançamentos nacionais e internacionais que pululam no cenário mainstream, o primeiro álbum solo de Liniker poderia passar longe dos nossos radares – e, mesmo que o faça, não deveria. Ao longo de quase 50 minutos de duração e apenas 11 faixas, a performer consegue arquitetar uma envolvente e explosiva narrativa sonora, não pensando duas vezes em prestar homenagens aos artistas que lhe inspiraram, desde a icônica Vanusa até a saudosa Amy Winehouse. Aqui, lidamos com uma amálgama frutífera e saborosa de inúmeros elementos que oscilam do black music e do reggae ao R&B e o MPB, destilando poesia em cada verso que constrói e entregando tudo de si em cada refrão.

A artista já havia nos oferecido um pequeno vislumbre da magia do álbum com os singles “Baby 95” e “Psiu”. Este, puxando elementos do blues e da bossa nova, é movida pela bateria, pelo baixo e pelo violão, com certos elementos futuristas que adicionam camadas e mais camadas de profundidade a uma densidade literária de tirar o fôlego e que combina perfeitamente com os vocais da cantora; aquele, por sua vez, serve como resposta em contraponto, iniciando-se como uma balada romântica e levando o tempo necessário para se transformar em uma dançante e sensual ode em samba que remonta aos anos 1980 e 1990 com perspicácia aplaudível.

Apresentando um gostinho do complexo feitio de seu álbum, Liniker provou ser uma das maiores artistas da contemporaneidade, sabendo como lidar com as incursões artísticas que estão em voga, mas sem perder a mão de uma identidade única e apaixonante. Não é surpresa que ela também tenha ficado a encargo da produção do disco, aliando-se a Júlio Fejuca e Gustavo Ruiz – aliás, à medida que é difícil escolher apenas um ápice dessa obra-prima da música, os ouvintes são arrastados para inflexões que modernizam elementos clássicos e talham uma nova roupagem para instrumentos como o saxofone e o piano. Tudo funciona em uma exatidão surpreendente, em que cada engrenagem une-se a outra para uma elegância sem qualquer precedência e sem esbarrar no costumeiro pedantismo estético.

Se a geração anterior cresceu com o som marcante de nomes como Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes (os Tribalistas, como ficaram conhecidos), Liniker segue o mesmo caminho e pincela um escopo marcado pela falta de ousadia com um transgressor decoro que esconde críticas sociais das mais variadas formas – e através de metáforas originais e convincentes. Mas a principal habilidade da qual a cantora se dispõe é uma teatralidade que, em momento algum, se mostra forçada ou fora de lugar: ela imprime sensações diversas, faixa a faixa, e trabalha em conjunto com os instrumentos, fundindo-se a uma orquestra singular, como visto em “Antes de Tudo” ou “Diz Quanto Custa”; vemos, também o apreço da performer pelas progressões épicas, que tangenciam o cinemático, em “Lua de Fé” e na belíssima colaboração “Lalange”, com Milton Nascimento.

Liniker se mostra irrepreensível e tem ciência total de que pode fazer o que bem entender, a qualquer momento – e, por essa razão, aposta fichas em um experimentalismo ainda recém-descoberto, que desponta em certas faixas como “Antes de Tudo” e “Presente”, cujas bem-vindas distorções são erguidas em prol de uma reorganização dos preceitos musicais; na mesma medida, vemos emulações que remetem a Elis Regina e a Carmen Miranda, concentradas na irretocável “Vitoriosa”. A track, exaltando a cultura carioca e a baiana, precede a pessoalidade de “Mel”, em que a artista toma as rédeas dos instrumentos e encena uma conversa com os fãs e com quem deseje se aventurar pelas mensagens que têm a nos dizer.

‘Indigo Borboleta Anil’ é um dos maiores álbuns de 2021, não apenas dentro do território brasileiro, mas também lado a lado com incríveis lançamentos estrangeiros. Mergulhando de cabeça na carreira solo, Liniker provou ser uma força descomunal, detentora de percepções e de sinestesias que fogem do comum e que nos transportam para um mundo diferente do que vivemos – em um escapismo arrebatador e necessário.

Não deixe de assistir:

Nota por faixa:

1. Clau – 4/5
2. Antes de Tudo – 4,5/5
3. Lili – 4/5
4. Psiu – 5/5
5. Lua de Fé – 5/5
6. Lalange (feat. Milton Nascimento) – 5/5
7. Baby 95 – 5/5
8. Presente – 4,5/5
9. Diz Quanto Custa (feat. Tássia Reis) – 5/5
10. Vitoriosa – 5/5
11. Mel – 5/5

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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