sábado , 21 dezembro , 2024

Crítica | Folhas de Outono – Aki Kaurismäki orquestra solidão, romance e pobreza em tragicomédia finlandesa

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Conhecido por seus filmes minimalistas e extremamente melancólicos, como Sombras no Paraíso (1986) e A garota da fábrica de fósforos (1990), o diretor finlandês Aki Kaurismäki apresenta a solidão humana sob a égide do capitalismo em Folhas de Outono (Kuolleet lehdet), ganhador do prêmio do júri no Festival de Cannes 2023

Em tom tragicômico, o enredo acompanha a desolação da vida proletária e solitária de  Ansa (Alma Pöysti) e Holappa (Jussi Vatanen). Duas almas esmurradas pela vida prestes a se encontrar e quem sabe adicionar um pouco de cor um ao outro. Antes do encontro, no entanto, Folhas de Outono — a tradução brasileira dá um tom mais poético ao título original “folhas mortas” —, mostra o cotidiano de ambos os protagonistas.



Ansa trabalha em um supermercado, onde no fim do expediente é responsável por tirar das prateleiras os alimentos passados da data do vencimento e jogá-los fora. Ela, no entanto, costuma dar alguns itens a pessoas desfavorecidas e levar outros para casa. Ao querer demonstrar serviço — e poder —, o guarda denuncia a atividade da trabalhadora e ela perde o emprego por se apossar de um pacote de queijo vencido. 

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Já Holappa é metalúrgico, bebe constantemente durante o serviço, dorme no horário de trabalho e mora em um alojamento compartilhado com outros homens sem perspectivas futuras como ele. Quando o colega Huotari (Janne Hyytiainen) o convida para um bar karaokê na esperança de encontrar aconchego nos braços de uma dama, isto é, uma namorada, e começa a paquerar a colega de Ansa, surge o encontro casual entre os dois operários. 

A possibilidade de um relacionamento amoroso somente é concretizado no segundo encontro entre ambos. Contando moedas para comprar alimentos e ouvindo notícias da guerra na Ucrânia a alguns quilômetros de distância, já que a Finlândia é vizinha da Rússia, Ansa busca emprego como lava-louças de um bar ligado a negócios escusos. Ela é aceita no posto; mas o emprego dura pouco, pois o dono é preso. Por conta de ir beber no local e dela buscar seu pagamento, os dois se reencontram. 

São nesses pequenos detalhes trágicos que a comicidade da obra se revela. Kaurismäki é mestre em nos fazer soltar uma risada por conta do infortúnio alheio, mas sempre sustentado com altivez por conta de uma atuação silenciosa e pouco expressiva dos seus atores. O silêncio é um personagem constante e atuante na sua cinematografia, na qual o cineasta comprova ser desnecessário longos diálogos quanto trata-se de audiovisual. 

Com apenas 81 minutos de projeção, os acontecimentos são rápidos, mas com uma sensação de lentidão pelos planos estáticos e silenciosos, embalados por canções populares locais. O primeiro verdadeiro encontro ocorre no cinema em um filme de Jim Jarmusch — também conhecido pela mise-en-scene de personagens em seu cotidiano ordinário, como Paterson (2016) e Flores Partidas (2005) —, mas eles assistem a Os Mortos não Morrem (2019), uma comédia zumbi mal-compreendida.

Os encontros e desencontros — por conta do infortúnio da perda do número de telefone em um papel e depois do consumo do álcool  —  são o compasso dessa comédia romântica, na qual a promessa da felicidade está logo ali nos braços de outrem, mas nunca concretiza-se. Os personagens são sofridos, desgastados e massacrados pelo trabalho monótono e sem planos futuros e a promessa de um romance é tudo que pode mudar essa vida insípida. 

Como em outros filmes do diretor filandês, a felicidade só pode ser conquistada com dificuldade e o destino (ou azar) sempre conspira contra os já miseráveis. Por isso, Aki Kaurismäki mantém Ansa e Holappa separados e permite uma tensão emocional de conjecturas e elucubrações sobre nós. 

Apesar da precariedade e violência desse mundo, Folhas de Outono nos faz refletir sobre as nossas opções: isolar-se com medo do perigo de tentar coisas novas ou se convencer que a felicidade é algo ao alcance, se nos permitirmos certos riscos e mudanças. 

Com seus tons outonais e chuvosos, o filme conquistou o prêmio de Melhor Filme do Ano de 2023 pela Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema) e duas indicações ao Globo de Ouro 2024. Ele também deve ocupar uma das cinco posições da categoria Melhor Filme Internacional no Oscar 2024

 

Lançado na Mostra Competitiva do Festival de Cannes 2023, Folhas de Outono estreou nos cinemas brasileiros em 30 de outubro de 2023 com distribuição da O2 Play/MUBI. Em breve, o longa estará em cartaz no streaming MUBI

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Conhecido por seus filmes minimalistas e extremamente melancólicos, como Sombras no Paraíso (1986) e A garota da fábrica de fósforos (1990), o diretor finlandês Aki Kaurismäki apresenta a solidão humana sob a égide do capitalismo em Folhas de Outono (Kuolleet lehdet), ganhador do prêmio do júri no Festival de Cannes 2023

Em tom tragicômico, o enredo acompanha a desolação da vida proletária e solitária de  Ansa (Alma Pöysti) e Holappa (Jussi Vatanen). Duas almas esmurradas pela vida prestes a se encontrar e quem sabe adicionar um pouco de cor um ao outro. Antes do encontro, no entanto, Folhas de Outono — a tradução brasileira dá um tom mais poético ao título original “folhas mortas” —, mostra o cotidiano de ambos os protagonistas.

Ansa trabalha em um supermercado, onde no fim do expediente é responsável por tirar das prateleiras os alimentos passados da data do vencimento e jogá-los fora. Ela, no entanto, costuma dar alguns itens a pessoas desfavorecidas e levar outros para casa. Ao querer demonstrar serviço — e poder —, o guarda denuncia a atividade da trabalhadora e ela perde o emprego por se apossar de um pacote de queijo vencido. 

Já Holappa é metalúrgico, bebe constantemente durante o serviço, dorme no horário de trabalho e mora em um alojamento compartilhado com outros homens sem perspectivas futuras como ele. Quando o colega Huotari (Janne Hyytiainen) o convida para um bar karaokê na esperança de encontrar aconchego nos braços de uma dama, isto é, uma namorada, e começa a paquerar a colega de Ansa, surge o encontro casual entre os dois operários. 

A possibilidade de um relacionamento amoroso somente é concretizado no segundo encontro entre ambos. Contando moedas para comprar alimentos e ouvindo notícias da guerra na Ucrânia a alguns quilômetros de distância, já que a Finlândia é vizinha da Rússia, Ansa busca emprego como lava-louças de um bar ligado a negócios escusos. Ela é aceita no posto; mas o emprego dura pouco, pois o dono é preso. Por conta de ir beber no local e dela buscar seu pagamento, os dois se reencontram. 

São nesses pequenos detalhes trágicos que a comicidade da obra se revela. Kaurismäki é mestre em nos fazer soltar uma risada por conta do infortúnio alheio, mas sempre sustentado com altivez por conta de uma atuação silenciosa e pouco expressiva dos seus atores. O silêncio é um personagem constante e atuante na sua cinematografia, na qual o cineasta comprova ser desnecessário longos diálogos quanto trata-se de audiovisual. 

Com apenas 81 minutos de projeção, os acontecimentos são rápidos, mas com uma sensação de lentidão pelos planos estáticos e silenciosos, embalados por canções populares locais. O primeiro verdadeiro encontro ocorre no cinema em um filme de Jim Jarmusch — também conhecido pela mise-en-scene de personagens em seu cotidiano ordinário, como Paterson (2016) e Flores Partidas (2005) —, mas eles assistem a Os Mortos não Morrem (2019), uma comédia zumbi mal-compreendida.

Os encontros e desencontros — por conta do infortúnio da perda do número de telefone em um papel e depois do consumo do álcool  —  são o compasso dessa comédia romântica, na qual a promessa da felicidade está logo ali nos braços de outrem, mas nunca concretiza-se. Os personagens são sofridos, desgastados e massacrados pelo trabalho monótono e sem planos futuros e a promessa de um romance é tudo que pode mudar essa vida insípida. 

Como em outros filmes do diretor filandês, a felicidade só pode ser conquistada com dificuldade e o destino (ou azar) sempre conspira contra os já miseráveis. Por isso, Aki Kaurismäki mantém Ansa e Holappa separados e permite uma tensão emocional de conjecturas e elucubrações sobre nós. 

Apesar da precariedade e violência desse mundo, Folhas de Outono nos faz refletir sobre as nossas opções: isolar-se com medo do perigo de tentar coisas novas ou se convencer que a felicidade é algo ao alcance, se nos permitirmos certos riscos e mudanças. 

Com seus tons outonais e chuvosos, o filme conquistou o prêmio de Melhor Filme do Ano de 2023 pela Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema) e duas indicações ao Globo de Ouro 2024. Ele também deve ocupar uma das cinco posições da categoria Melhor Filme Internacional no Oscar 2024

 

Lançado na Mostra Competitiva do Festival de Cannes 2023, Folhas de Outono estreou nos cinemas brasileiros em 30 de outubro de 2023 com distribuição da O2 Play/MUBI. Em breve, o longa estará em cartaz no streaming MUBI

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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