sexta-feira, março 29, 2024

Crítica | Gauguin: Viagem ao Taiti – Um mártir que viveu da arte e morreu antes de ser reconhecido

Idealista, purista, um romântico inveterado em um profundo relacionamento com sua própria arte. Paul Gauguin deixou sua vida quase boêmia em Paris para se encontrar novamente na essência da arte. Despediu-se da Cidade Luz – da qual tantos almejam fazer seu lar – e se jogou na imersão bucólica do Taiti, no coração de matas fechadas, águas límpidas e a ausência de absolutamente tudo. A mais pura definição de artiste maudit (desafortunado e mal compreendido), o francês dedicou seu período de maior criatividade aos úmidos e quentes dias na ilha da Polinésia Francesa, fazendo de Tehura sua musa dos cabelos negros e longos, com curvas suntuosas e uma sensualidade que hipnotizava os traços de seus lápis e pincéis. Essa poesia agridoce está imprensa com maestria na cinebiografia Gauguin: Viagem ao Taiti.

Dirigido por Edouard Deluc e escrito a muitas mãos – lideradas por ele mesmo -, a produção traz um Vincent Cassel diferente, sombrio e com um olhar tenso, que estampa uma tristeza profunda em busca da quietação na arte. Torturado por seus próprios pensamentos e pela constante sensação de fracasso, Gauguin ganha vida pela belíssima atuação do aclamado ator francês, que perde sua beleza atemporal nos traços cansados do artista incompreendido e barbudo, buscando redenção na sua única paixão, estando longe de seu berço e dos seus. Sem dinheiro, esperanças e vivendo os dias à mercê das circunstâncias, ele é retratado com sutileza e honestidade, sem qualquer preciosismo em enaltecer sua dolorosa trajetória, tão pouco martiriza-la.

Como uma espécie de documentário levemente romantizado, Viagem ao Taiti extrai a essência do artista e de seu trabalho, traçando uma linha temporal mais curta. Necessariamente, sua idas e vindas ao local são condensadas ao seu principal período criativo, iniciado em 1891, quando inicia sua primeira aventura na ilha. Por se tratar da época em que seus melhores quadros foram produzidos, o longa de Deluc é objetivo e evita dispersões, tornando a cinebiografia em uma melodia prazerosa, na qual somos levados pelos encantos e desencantos de Gauguin com a vida. Conforme conhecemos um pouco mais de seus traços, também descobrimos sua motivação e aquilo que lhe faltava – para os de sua época, mas que fora capaz de transformá-lo em um marco histórico do Pós-impressionismo.

E como grande parte dos maiores artistas plásticos, a arte de Paul Gauguin apenas ganha seu valor com sua morte. Mas neste entremeio, cercado por altos e baixos – mais baixos como é de se esperar, Gauguin sofreu para tentar manter-se ávido e relevante, definhando sua saúde em prol da sua incompreendida devoção à arte. No roteiro, também assinado por Etienne Comar, Thomas Lilti e Sarah Kaminsky, os quadros do artista não são meros argumentos estilísticos, por se tratar de uma cinebiografia. Na trama, eles são as marcas dos hiatos da vida do artista, refletem seus momentos íntimos com sua musa, apresentam ela em circunstâncias emocionais específicas e refletem seus dias, sua atmosfera, sua percepção no instante da produção. E ao trazer a arte para além da estética fotográfica, Viagem ao Taiti faz do trabalho do pintor o ritmista da narrativa.

Com uma fotografia que explora a beleza da Polinésia Francesa, o regionalismo de seu povo e a imensidão da natureza diante de seu protagonista, Paul Gauguin: Viagem ao Taiti é um conto sobre um artista martirizado, que se perdeu em si mesmo, a fim de encontrar a melhor versão de seu talento. Solitário, abandonado e isolado, ele é também a exemplificação de uma triste pintura, cuja história hoje se perpetua não apenas em suas belas telas – que custam milhões -, mas também no poético e simbólico cinema francês.

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