quarta-feira, maio 1, 2024

Crítica | Marilyn Monroe é muito maior que a pedante e vazia narrativa de ‘Blonde’

Marilyn Monroe é um dos nomes mais conhecidos de todos os tempos e tornou-se um ícone cultural mundial desde sua ascensão à fama até os dias de hoje. Considerada como uma das principais bombshells da Era de Ouro de Hollywood, Monroe foi imortalizada pela mídia dentro dos estereótipos de gênero que povoavam o imaginário da época – mas sua inteligência ímpar e sua genial mundividência mostram que a atriz e cantora tinha muito a oferecer e foi impedida por viver em uma sociedade dominada pelos homens e por um respaldo extremamente sexista e machista. Agora, a icônica artista ganha o que esperaríamos ser uma homenagem com a cinebiografia ficcional ‘Blonde’, da Netflix.

O longa-metragem, dirigido e escrito por Andrew Dominik, fez sua estreia oficial no Festival de Veneza e foi aplaudido por catorze minutos – algo que deixou muita gente bastante animada. Entretanto, à medida que as críticas começavam a sair, a aprovação do filme nos principais agregadores de reviews despencava, comentando sobre escolhas controversas feitas por Dominik e pela equipe criativa. E, após assistir à produção, é quase óbvio compreender os motivos que levaram muitos a creditarem-na como controversa e difícil de digerir: citando um recente artigo do Collider, ‘Blonde’ falha em honrar a memória de Monroe e a transforma em uma louca submissa, como se buscasse humilhá-la da maneira mais enervante possível.

Na obra, a icônica Ana de Armas interpreta Marilyn (ou Norma Jeane, se preferirmos seu nome de nascença). Conhecida por seu trabalho em títulos como ‘007 – Sem Tempo para Morrer’ e ‘Entre Facas e Segredos’ (este último lhe rendendo uma indicação ao Globo de Ouro de Melhor Atriz em Musical ou Comédia), Armas vem se provando uma força incomparável no cenário cinematográfico, demonstrando uma versatilidade invejável que prospecta um futuro recheado de sucessos. E é claro que ela faria um trabalho impecável ao encarnar a protagonista, incorporando-a e transmutando-se nela em todos os mínimos detalhes – desde as expressões faciais aos pequenos meneios com as mãos e a reconhecível cadência vocal de suas falas no cinema. Aliás, a atriz é um dos únicos pontos positivos da exaustiva mixórdia construída por Dominik, podendo até mesmo conseguir uma merecida indicação ao Oscar.

Desde seus primeiros trabalhos como modelo fotográfica ao estrelato que a colocou no centro dos holofotes, a narrativa vem e vai em um balanço descompensado que busca explicar a contraposição entre sua carreira e sua vida pessoal. Afinal, desde criança ela nunca teve o senso de pertencimento, visto que passou a infância migrando de orfanato a orfanato (uma das coisas que o longa acerta, ainda que infundida num melodrama cansativo) e num infindável questionamento sobre o pai – uma misteriosa figura cuja aparição é premeditada, mas que nunca de fato dá as caras. E talvez esse tenha sido o motivo por ela ter sido arrastada para o show business: Marilyn sempre quis aprender a atuar, porém, sua aparência e sua pose como sex symbol eram o que importava para os produtores e diretores.

Como bem sabemos, Monroe teve três casamentos em sua vida, dois dos quais ganham mais enfoque no filme: um deles foi com o ex-jogador de beisebol, Joe DiMaggio (Bobby Cannavale), regado à violência doméstica e a abusos psicológicos; e outro com o famoso dramaturgo Arthur Miller (Adrien Brody), que a tinha como sua musa em um nível tão endeusado que era notável a crescente distância entre os dois. O problema é que, à medida que Dominik constrói o enredo, Marilyn se torna coadjuvante de sua própria história, subjugada à vontade dos homens que passaram por sua vida e agindo sem vontade própria a não ser pelo que eles desejavam; é claro que, nos anos 1940 e 1950, as mulheres não tinham voz alguma em meio ao tradicionalismo masculino, mas o filme parece perpetuar tais estigmas em vez de criticá-los ou satirizá-los, glorificando o que acontecia em prol de uma tentativa artística que nunca se concretiza.

Se o longa posa como sátira, não funciona; se procura investir esforços em um fantasmagórico drama psicológico, também não. A verdade é que, no final das contas, a ambiciosa concepção dá um passo maior que a perna e morre na praia, afogando-se em incursões que não dialogam umas com as outras e que criam pequenos cosmos fragmentados que não passam de uma antologia barata. Dominik dá a entender que tem um desejo voraz de emular as ótimas cinebiografias de Pablo Larraín, ‘Spencer’ e ‘Jackie’; todavia, em vez de homenageá-las, revela uma sólida falta de originalidade que se repete em quase três horas de tela. A máscara vem com a errante fotografia, que também não se decide muito em que caminho seguir, apesar de Stéphane Fontaine entregar alguns frames belíssimos e marcantes.

Não deixe de assistir:

‘Blonde’ é apenas mais uma falha diligência em imortalizar Marilyn Monroe no cenário do entretenimento – culminando no efeito oposto. O principal problema é que os cineastas parecem não ter percebido que Marilyn não precisa ser eternizada, visto que poucas pessoas conseguem reclamar o status de ícone como ela. Marilyn é muito maior do que o longa tenta nos vender, mesmo que Armas faça um trabalho irretocável ao encarná-la.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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