domingo, abril 28, 2024

Crítica | O Canto Livre de Nara Leão – Detalha a importância musical e política de uma artista GENIAL

É realmente difícil achar outra cantora, ou até mesmo cantor, que tenha transitado por tantos momentos emblemáticos dentro da história da música brasileira, e, mais do que isso, tenha também se tornado um nome fundamental no meio de cada uma dessas vertentes e movimentos. Sendo, além de tudo, uma figura responsável pela luta política na retomada da democracia e do espaço e voz da mulher na sociedade. Essa é apenas uma rápida descrição da imensa potência artística chamada Nara Leão, uma cantora que possuía um encantamento e uma doçura latente que ia da voz tímida até o seu visual minimalista; mas que, ao mesmo tempo, ostentava uma presença imponente não apenas naquilo que dizia e defendia, mas também pela postura séria e equilibrada.

O papel do então documentário O Canto Livre de Nara Leão, mais uma produção exclusiva da Globoplay, com o selo Conversa.doc, é mostrar num total de cinco episódio, todas as principais etapas da vida e obra da cantora carioca que conquistou o Brasil e virou símbolo de várias frentes, seja no campo político ou social. No entanto, antes de começar a tocar nesses assuntos mais delicados, o diretor Renato Terra, que também comandou o exclusivo Narciso Em Férias, apresenta toda formação familiar e artística de Nara, que junto a sua turma de amigos tornou-se um dos maiores nomes da música brasileira em muito tempo.

Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli, Carlos Lyra e tantos outros compositores e músicos geniais faziam parte dessa trupe de Nara, que não demorou muito e, fazendo música, começou a andar com outros tantos artistas incríveis como Edu Lobo, Sergio Ricardo, Nelson Motta e, claro, a Santíssima Trindade, João Gilberto, Vinicius de Moares e Tom Jobim. Ou seja, era impossível andar ali com tanta gente iluminada sem que fosse mais uma daquelas luzes. Quer dizer, a timidez de Nara Leão quase fez com que ela ficasse fora dos holofotes, mas o seu talento era tão grande que foi natural ela ter virado o que virou.

É interessante perceber como o estilo particular e a voz calma e elegante de Nara Leão casou bem com o estilo da Bossa Nova. João Gilberto, o grande ídolo de Nara, tinha naturalmente essa linha vocal. Então era como se o gênero, que já tinha um rei, tivesse encontrado enfim a sua rainha. Cenas com Tom Jobim e a cantora numa conversa onde lembravam de vários clássicos e cantarolavam com genialidade, expõem bem o fato de que fazer tudo aquilo era muito simples pra ela. Ao mesmo tempo que, numa análise crítica musical, o mesmo ato é o que se pode chamar do ápice da bossa. O retrato clássico do banquinho e um vilão – algo que nos traz a imagem da Nara sentada num banquinho, com os joelhos de fora, cantando e tocando o seu violão de maneira sublime.

Sim, essa visão mais lírica, a exposição do lado artístico natural e em qual vertente estava enquadro o seu estilo vocal, acompanhado a depoimentos raros e figuras de peso, dá à O Canto Livre de Nara Leão um valor cinematográfico imenso. Contudo, também, não tem como negar que o grande trunfo da série documental está em como detalha todas as principais fases da artista. É verdade que a Nara começou e se firmou como uma cantora da Bossa Nova, mas não demorou pra que enveredasse por caminhos inusitados. Já em 1964, quando fez o disco Opinião com Zé Keti e João do Valle, Nara começou a fazer música política pra valer.

No ano em que o golpe militar se instaurou no Brasil, Nara Leão que, além de fazer teatro tendo como mote o seu disco com comentários contestadores, deu uma entrevista dizendo que o exército não valia mais nada. Ela iria ser presa, mas devido à comoção popular, aos amigos artistas e até um poema escrito pelo próprio Carlos Drummond de Andrade, chamado Apelo, que se direcionava ao general que representava o presidente naquele momento pra que ele não a prendesse, Nara não sofreu absolutamente nada. Pelo contrário, continuou fazendo música política e cada vez mais contestadora, pelo menos até a censura do AI5 chegar.

Mas se engana quem pensa que ela era o tipo comum de artista que fazia música de protesto apenas como estilo. Nara era natural, tinha um jeito próprio, resumindo, ela era o que era. E isso significava ser feminista, politizada, progressista e, principalmente, atenta aos valores artísticos.

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Logo após isso, Nara Leão rumou para São Paulo e começou a trabalhar com Chico Buarque, um jovem cantor e compositor conhecido pela classe intelectual. Mais tarde ele também se tornaria um dos maiores símbolos da música contra a ditadura, mas muito do voo que alçou está ligado à sua parceria com Nara Leão, que gravou várias de suas canções e até o chamou para cantar nos seus álbuns. Por sinal, Nara ficou famosa quando gravou justamente uma canção de Chico, A Banda – do qual nunca foi fã, assim como o próprio conceito de fama.

Hora de migrar também pra outro estilo, a Tropicália, do qual sempre foi amiga de baianos e basicamente revelou Maria Bethânia para o Brasil, quando pediu que ela a substituísse no espetáculo Opinião. Ela fez parte de gravações antológica do movimento, mas não ficou presa a ele… Tanto que rapidamente começou a trabalhar com compositores nordestinos do chamado Pessoal do Ceará, como Raimundo Fagner, que migrou do Nordeste paro o Sudeste e fez muito sucesso ao lado dela.

No entanto a transição ou mudança de Nara Leão que mais causou polêmica foi quando ela resolveu gravar um disco inteiro com músicas de seu conterrâneo Roberto Carlos. Ora, como alguém que sempre foi politizada iria gravar canções escapistas de alguém tão alienado como Roberto? Ela não deu a mínima. Aliás, foi além, colocou o nome do disco de ‘E que tudo mais vá pro inferno!’ e interpretou diversos hits românticos como Cavalgada e Proposta, deixando seus amigos e parceiros anteriores chocados. Mas o disco, pra variar, acabou tendo um resultado artístico e financeiro excepcional, sendo aceito pela crítica e o público de braços abertos.

E Nara Leão era isso, uma artista que a todo momento procurava se renovar e dar ao seu público aquilo que ela mesma gostava de ouvir e consumir. Tanto que numa determinada fase da vida parou a carreira e foi cuidar da família. Algo absolutamente inusitado pra uma artista de tamanho calibre como ela. E é ótimo ver e perceber que O Canto Livre de Nara Leão consegue traduzir, com fidelidade, muito do que foi essa artista genial. Além de tudo, o documentário surge até como um resgate histórico para que novas gerações possam conhecer essa cantora magnifica que encantou o Brasil durante tantos anos.

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Wilker Medeiroshttps://www.youtube.com/imersaocultural
Wilker Medeiros, com passagem pela área de jornalismo, atuou em portais e podcasts como editor e crítico de cinema. Formou-se em cursos de Fotografia e Iluminação, Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica, Forma e Estilo do Cinema. Sempre foi apaixonado pela sétima arte e é um consumidor voraz de cultura pop.

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