Vovós Sem Vergonha
Antes de preparar este texto, voltei e li o que havia escrito sobre o primeiro Perfeita é a Mãe! no ano passado, e me surpreendi ao lembrar o quanto gostei do filme. Sigo como defensor e ainda acredito que ganha muito por comparação ao resto do que é feito no gênero. Não me entendam mal, o longa não é nenhuma obra-prima, é uma comédia tipicamente americana, mas uma que surpreende pelo teor incorreto e lascivo, servidos por uma censura alta (e nos tempos politicamente corretos de hoje, é sempre um alívio), e sua mensagem feminista implícita que diz “mulheres podem ser o que quiserem dentro da estrutura familiar”.
Bom, não sou o único defensor do longa, já que mais da metade da imprensa especializada também embarcou na ideia (o filme marca 58% no RT) e a comédia fez sucesso suficiente para uma continuação ser confeccionada – não que eu ache que havia necessidade, pelo contrário. Mas não é que bem no ano seguinte, somos brindados com este Perfeita é a Mãe! 2 (no original Bad Moms Christmas, já aproveitando para encaixá-lo no filão dos filmes de Natal), que traz de volta as três protagonistas do original, todo o teor vulgar, e acerta ao mudar o enfoque para as relações das mulheres com suas mães.
Como as histórias da introvertida Kiki (Kristen Bell), da depravada Carla (Kathryn Hahn) e da centrada Amy (Mila Kunis) não tinham para onde evoluir após os arcos fechados do primeiro filme, a esperta solução dos realizadores (roteiristas e diretores) Scott Moore e Jon Lucas, que retornam do primeiro filme, foi seguir o caminho (inconscientemente) de outra comédia, Pai em Dose Dupla, cuja sequência também lançada este ano tratou de introduzir os pais dos dois pais Mark Wahlberg e Will Ferrell, Mel Gibson e John Lithgow respectivamente. Aqui, são as mães das protagonistas que entram em cena, criando uma problemática dinâmica com as filhas.
Como toda cria é reflexo de seus progenitores, conhecemos parte do motivo das psiques abaladas e deturpadas de nossas heroínas quando à mistura são adicionadas Sandy (Cheryl Hines), a mãe obsessiva compulsiva de Kiki, Isis (Susan Sarandon), a mãe relapsa e desapegada de Carla, e Ruth (Christine Baranski), a mãe rígida e opressora de Amy. Quando chegam, cada uma delas irá interferir diretamente na rotina de suas filhas, desestruturando sua convivência em família nesta época especial do ano. Desta forma, as protagonistas precisarão lidar com esta ferida do passado pronta a ser reaberta nesta nova fase de suas vidas. Este é o conflito do novo filme.
Perfeita é a Mãe! 2 acerta ao não repetir o roteiro do filme anterior, o que seria mais fácil, colocando as personagens em novas situações escabrosas, sem acrescentar muito na fórmula. Há de se argumentar inclusive se esse não foi o caminho tomado pelo roteiro, já que elimina por completo a urgência libertária feminina do original, que anunciava uma revolução estrutural nas devidas bases familiares, para uma sessão de terapia e reconciliação com o passado. De certa forma, estas mulheres deixam de ter voz novamente ao se tornarem coadjuvantes passivas dentro de seu próprio filme, apenas respondendo à ação de suas mães. Sim, outras mulheres, é verdade.
Os dilemas muito reais e identificáveis propostos no filme anterior, todos perfeitamente inseridos no mundo moderno, dão espaço a um roteiro, de certa forma, antiquado, que poderia centrar esta história em qualquer época – tranquilamente este filme poderia ter sido feito nos anos 1980. Com isso, o discurso perde o momento atual e frescor. Quem mais perde nesta equação, dentre os membros do elenco, é Mila Kunis. Sua Amy é eclipsada nesta história, servindo simplesmente de conduíte entre personagens e subtramas. Kunis, que saiu de uma gravidez recente (inclusive numa cena brincam com o fato da atriz estar com quilinhos a mais, sem ter conseguido voltar à forma física usual), parece não estar abraçando a causa como na primeira rodada – talvez seja o velho motivo do “dinheiro falou mais alto do que a vontade”.
Como diz o ditado, uma comédia é engraçada ou não é, e isto irá depender única e exclusivamente de seu espectador. Reconheço não ter grande veia para a causa, e não ser exatamente o público-alvo de filmes assim, mas me peguei, mesmo a contragosto, dando risadas de situações tão audaciosamente absurdas, que me impedem de negar que o humor funciona. A cara de pau contínua e a coragem das atrizes (em especial Kathryn Hahn), que mergulham de cabeça na vergonha alheia, sem vergonha alguma, só torna este escracho quase irresistível. É claro que nem tudo funciona, e Perfeita é a Mãe! 2 ainda faz uso de muito sentimentalismo barato, inúmeras cenas repletas de clichês e reviravoltas sem qualquer surpresa em seu ponto de virada. A comédia também não cola muitas vezes, mesmo assim ainda paira sobre a maioria do que é produzido no quesito, vide o horrendo Tirando o Atraso (com Robert De Niro e Zac Efron), entre outros.
Provando que o mote e chamariz desta continuação são as vovós, um spin off é planejado com as veteranas.