sexta-feira, abril 26, 2024

Crítica | Xuxa Meneghel está de volta aos cinemas com a adaptação de ‘Uma Fada Veio Me Visitar’

Xuxa Meneghel é um dos maiores ícones do cenário do entretenimento brasileiro e, ao longo de sua carreira, ela encontrou sucesso como atriz, apresentadora e cantora. Agora, catorze anos após seu último trabalho nos cinemas com ‘Xuxa e o Mistério de Feiurinha’ (se desconsiderarmos sua participação especial em ‘Porta dos Fundos: Contrato Vitalício’), ela faz seu retorno às telonas com ‘Uma Fada Veio Me Visitar’, baseado no livro infanto-juvenil homônimo de Thalita Rebouças. E, seguindo os passos de tantas outras produções que estrelou, o longa-metragem não tem qualquer propósito de existência e falha em causar qualquer sensação positiva no público.

Na trama, Xuxa interpreta Tatu, uma fada júnior que, após trinta e cinco anos de dormência em virtude de uma punição de suas superiores, retorna à ativa para ajudar a jovem Luna (Antonia “Tomtom” Périssé, filha mais nova de Heloísa Périssé), que enfrenta diversas crises adolescentes, a superar os obstáculos e a auxiliar a própria Tatu a cumprir sua missão e, com sorte, não voltar a seu “castigo”. Aqui, Luna deve fazer amizade com uma mean girl de sua escola, visto que elas estão predestinadas a um sólido laço de companheirismo e união – ainda que, a princípio, se odeiem. E, mesmo com as mais puras intenções, a produção escorrega em todos as camadas e entrega apenas uma narrativa esquecível movida a atuações risíveis e uma triste falta de cautela estética.

O filme segue um padrão muito conhecido das inúmeras incursões do gênero, em que as fórmulas explodem em uma amálgama de clichês cansativos e premeditáveis que tornam a experiência cinematográfica uma frustração do começo ao fim. Périssé, encarnando a protagonista, parece desconfortável e se apoia em amadorismos performáticos e tiques repetitivos que nos afastam de qualquer chance de entender suas dores e acompanhar um arco quase ilusório; Xuxa, por sua vez, mostra que consegue se divertir – principalmente através de um roteiro que preza por imortalizá-la através de referências fragmentadas e testamentárias ad nauseam, pincelando diálogos catastróficos com menções musicais e “homenagens” a outras celebridades do cenário fonográfico (como Cindy Lauper, Madonna e Boy George). E, apesar de soltarmos algumas risadas nos exauríveis cem minutos de duração, percebemos que, ao sairmos da sala, esse ímpeto era só um modo de lidar com a enorme vergonha alheia que nos é apresentada.

Um dos aspectos que menos funcionam na obra é a noção de tempo e espaço: de um lado, temos um enredo ambientado nos dias atuais, mas que faz alusões anacrônicas a outras décadas e que quebram a verossimilhança de forma brutal (ora, até mesmo as gírias e a escolha das músicas estão fora de lugar, retirando o longa de uma cronologia e colocando-a espalhada em uma atemporalidade sem sentido); de outro, a construção do espaço cênico é inexplicável, desde o arranjo do quarto de Luna ao apreço pela estética hollywoodiana que, dentro do escopo ajustado à cidade do Rio de Janeiro, é incoerente. Nem mesmo a insípida fotografia consegue se esquivar dos convencionalismos, utilizando uma paleta de cores bastante familiar e enquadramentos novelescos que não trazem nada de novo ao front.

A direção é assinada por Vivi Jundi, que trabalhou como diretora geral da ótima ‘De Volta aos 15’, série da Netflix estrelada por Maísa. Todavia, suas inspiradas inflexões imagéticas são varridas para debaixo de um tapete em prol de uma fusão monótona do campo-contracampo com a mais pura obviedade – e sequências que nos levam aos excessos dos anos 1990 que, de fato, não funcionam mais. É claro que há uma parcela destinada ao embate intergeracional dos múltiplos personagens, mas esse subtexto vai de lugar nenhum a nenhum lugar e é esquecido por completo à medida que os núcleos narrativos se dissolvem e o título se transforma num “show da Xuxa” às avessas. O roteiro, cortesia de Rebouças, também não ajuda muito: não há conflito aparente que nos instigue ou um bom desenvolvimento dos personagens; pelo contrário, a unidimensionalidade criativa urra das telonas e mergulha em estereótipos que, muito tempo atrás, teriam um objetivo claro. Até traços da personalidade de Luna são mencionados em ocasionalidade e sem papel atuante no discorrer da história.

Nem mesmo elementos mais concisos têm vez aqui: o figurino foi pensado de última hora e arrancado das araras de um brechó em decadência, sem preocupação palpável com a direção de arte ou com os humores dos personagens; a trilha sonora se apoia nos caprichos triviais do mickey-mousing, em que cada movimento e cada expressão é acompanhada de uma nota caricata; e o elenco coadjuvante se dispõe de exageros teatrais – no pior sentido do termo -, além de não ter a mínima centelha de química.

Não deixe de assistir:

‘Uma Fada Veio Me Visitar’ é tão desconexo de si mesmo que tem pouquíssimas chances de agradar qualquer pessoa – ainda mais a nova geração, que não conseguirá acompanhar as referências à carreira de Xuxa e a certas investidas que fogem do conhecimento contemporâneo. E, no final das contas, o aguardado retorno de uma das maiores figuras da cultura pop aos cinemas é algo que, infelizmente, não deveria ter acontecido. Pelo menos não desse jeito.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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