terça-feira, abril 30, 2024

Crítica | Years & Years aposta no anacronismo musical para o ousado álbum ‘Night Call’

O ato musical conhecido como Years & Years fez sua estreia em 2010 e, originalmente, contava com cinco membros. Entretanto, nos últimos anos, o grupo se desmembrou e o vocalista Olly Alexander assumiu o controle total das decisões criativas e resolveu continuar adotando o nome e se lançar na carreira solo – encontrando um espaço gigantesco para explorar uma identidade que vem se firmando na cultura pop desde a década passada. Agora, fazendo seu début solo com o aguardado ‘Night Call’, Alexander deixou claro que é um artista a ser temido e que não tem medo de ousar – ainda que, às vezes, fugir dos rótulos e do mainstream não funcione por completo.

O álbum, lançado no final da semana passada, é uma ode à própria criação musical e constrói uma ponte que atravessa gerações e que une passado e presente em um mesmo lugar. Nesta crítica, iremos analisar a versão ‘New Year’, englobando as vinte e três faixas que fazem parte do compilado. Olly faz questão de homenagear as icônicas celebridades que influenciaram sua carreira, abrindo espaço para um vibrante espetáculo pop, eletrônico e disco, sem perder o singelo teor romântico e sexual que o colocou no centro dos holofotes – considerando sua importância para a comunidade LGBTQIA+ e sua crescente expressividade no entretenimento. Como já mencionado, algumas incursões não funcionam como deveriam, mas não são o suficiente para impedir que os ouvintes se divirtam nessa jornada dançante e honesta.

O primeiro single oficial lançado pelo cantor e compositor (com exceção das faixas deluxe que foram promovidas anos atrás) veio através de “Starstruck” e, por mais que não se configure como a melhor faixa da obra, é uma escolha bastante sagaz e mercadológica para mostrar ao público o teor dessa aventura. Em meio a algumas repetições, é notável o apreço do performer e dos produtores Mark Ralph e DetoNate pelo electro-pop, guiado pelas batidas profundas e ecoantes e por sintetizadores gritantes que se entrelaçam com os vocais comedidos do lead singer. Devo dizer que, como pontapé inicial, há certos elementos que poderiam ser mais bem conduzidos – incluindo um respaldo considerável nas fórmulas a que estamos acostumados para, de alguma maneira, conseguir abarcar uma maior quantidade de fãs.

De qualquer maneira, não são as canções promocionais que nos cativam, e sim pérolas que se escondem nessa epopeia fonográfica. Boa parte delas, inclusive, aparece na segunda metade, espalhando-se como joias que merecem nossa atenção do começo ao fim, como é o caso de “Immaculate”. Aqui, temos a entrada de um arab-pop que rege um conto de paixão ardente e diabolicamente blasfema, cujas mensagens principais se escondem sob versos como “quando você era meu anjo caído, quase divino” e “só quero sentir aquela batida em meu coração de novo”, arrancando uma rendição impecável de Alexander e emulando os anos 1990 e 2000 com concisão inigualável.

A faixa titular emerge como outro dos ápices do álbum, em um explosivo nu-disco e glam-rock pincelado com referências a Prince e a Adam Lambert. A colaboração “Sweet Talker”, ao lado de Galantis, mergulha de cabeça na música eletrônica, adornando o sintético pré-refrão aos frenéticos e orquestrais violinos que dão sustentação ao performer. Em outro espectro, “A Second to Midnight”, que apareceu em ‘Disco: Guest List Edition’, reúne Kylie Minogue e Olly em uma parceria impecável, setentista e narcótica em cada um de seus belíssimos elementos, demonstrando o amor de ambos os artistas pelo que sempre souberam fazer; “Sooner Or Later” aposta fichas em uma ambiguidade que funciona em boa parte do tempo, mas talvez sua localização dentro do CD tenha sido errônea, visto que poderia ter dado as caras um pouco mais para a frente.

Enquanto uma quantidade sólida de músicas é aproveitável e demonstra a relação de Alexander e de seu time criativo às tendências do mainstream, outras posam ou como esquecíveis, ou descartáveis. “Intimacy” parece uma track descartada de qualquer álbum que Justin Bieber tenha lançado nos últimos cinco anos (e não digo isso como elogio, principalmente quando nos lembramos de que ‘Justice’ e ‘Changes’, por exemplo, são o suprassumo da mediocridade artística); “Muscle” tem início forte, fazendo alusão ao funk-house de “Comme des Garçons”, de Rina Sawayama, mas falha em manter essa eloquência no chorus, nem mesmo com o exagero propósito de “olhe para todo esse músculo”. Em contraposição, “Crave” e “Consequences” abraçam o electro-indie conceitual que já aparecera em ‘Palo Santo’ e parecem suprir nossa necessidade pelo original e pela ousadia.

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‘Night Call’ pode não ser uma estreia estrondosa para Olly Alexander se seu alter-ego Years & Years, mas definitivamente prova que o artista sabe muito bem o que fazer com sua arte – ainda mais no tocante a versos ambíguos e a uma predileção pelo anacronismo musical que o tira da cronologia sistemática e o arremessa a um microcosmos único e que tem muito potencial a ser explorado.

Nota por faixa (versão New Year):

1. Consequences – 4/5
2. Starstruck – 3/5
3. Night Call – 3,5/5
4. Intimacy – 1/5
5. Crave – 4/5
6. Sweet Talker (com Galantis) – 4/5
7. Sooner or Later – 3,5/5
8. 20 Minutes – 3,5/5
9. Strange and Unusual – 4/5
10. Make It Out Alive – 3,5/5
11. See You Again – 3,5/5
12. Immaculate – 5/5
13. Muscle – 2,5/5
14. Reflection – 3/5
15. A Second to Midnight (com Kylie Minogue) – 5/5
16. Starstruck (Kylie Minogue remix) – 3,5/5
17. King – 4/5
18. Shine – 3,5/5
19. If You’re Over Me – 4/5
20. Desire – 3,5/5
21. Sanctify – 5/5
22. Play (com Jax Jones) – 4/5
23. It’s a Sin (com Elton John) – 4,5/5

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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