domingo, abril 28, 2024

ENTREVISTA com J.A. Bayona – A Sociedade da Neve: “Meus filmes falam sobre a morte para enfatizar a vida”

Lançado no Festival de Veneza 2023 em setembro, A Sociedade da Neve resgata uma história ao mesmo tempo chocante e inspirada para uma nova geração. Baseado no acidente aéreo na Cordilheira dos Andes ocorrido 50 anos atrás com passageiro de um voo entre Uruguai e Chile, o longa do cineasta espanhol Juan Antonio Bayona busca sensibilizar os espectadores com exemplos reais de resiliência e união em tempos difíceis. 

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No último dia 26 de outubro, o CinePOP participou da entrevista coletiva com o diretor e os sobreviventes da tragédia. Durante o bate-papo, J. A. Bayona contou sua inspiração para o projeto, seus obstáculos e sua futura missão no cinema. Conhecido internacionalmente pelo terror O Orfanato (2007) e drama O Impossível (2012), o cineasta de 48 anos e 1,57 de altura carrega ainda no currículo o recente Jurassic World: Reino Ameaçado (2018) e dois episódios da série O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder (2022). 

Juan Antonio Bayona ao lado ator Enzo Vogrincic (à esquerda) e do escritor do livro Pablo Vierci (à direita).

Com distribuição da O2 Filmes, A Sociedade da Neve  tem previsão de estreia para o dia 14 de dezembro de 2023 nos cinemas brasileiros. Em seguida, o filme chega à Netflix, em 4 de janeiro de 2024. O longa é o representante da Espanha para a categoria Melhor Filme Estrangeiro no Oscars® 2024 e nomeado a Melhor Filme em Língua Não-Inglesa no Globo de Ouro 2024.

Como nasceu A Sociedade da Neve

Apesar da tragédia dos Andes ser mundialmente conhecida, J. A. Bayona tinha a sensação de que a história nunca tinha sido realmente (bem) contada. “Descobri o livro [de Pablo Vierci] enquanto pesquisava O Impossível, e imediatamente quis transformá-lo em filme”. O projeto, no entanto, levaria mais de 10 anos para sair do papel. 

Ele confessa que o livro foi essencial no processo de composição do seu primeiro fora da Espanha: “O título de O Impossível, por exemplo, me veio quando li uma declaração de Roberto Canessa, um dos sobreviventes dos Andes”, revela. Ambos os filmes contam histórias de tragédias e sobrevivência humana com um grande aporte emocional. “Meus filmes falam sobre a morte para enfatizar a vida”,  enfatiza o diretor. 

As semelhanças, no entanto, param por aí, já que uma diferença crucial é o tempo de resiliência entre os dois acontecimentos: 72 horas e 72 dias. Para Bayona, A Sociedade da Neve é sobre “vida em um lugar onde a vida não é possível. Os personagens têm que reinventá-lo. Relacionamentos, costumes e vínculos são reinventados”. 

Dez anos para filmar em Língua Espanhola

Quando percebeu o nível de produção exigida para concretizar sua visão, eles exploraram várias opções de financiamento e obstáculos até encontrar a Netflix. “É impossível quando você tem um filme que chega a um determinado orçamento filmar em espanhol. Eu levei mais de 10 anos para conseguir produzir esse filme na língua correta, no local correto. Espero que seja mais usual contar histórias na nossa língua”, desabafa Bayona. 

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Após procurar Netflix porque viram que a plataforma de streaming apostava fortemente em projetos de grandes diretores, o sim veio. “Eu tive que filmar Jurassic World: Reino Ameaçado e O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder  para ganhar o direito de dirigir esta história como ela foi planejada ser — na sua língua original, nos locais onde aconteceu — e com a ambição com que abordamos o projeto”. 

Ambientação no Local Real da Tragédia

Diferente das outras versões cinematográficas, A Sociedade da Neve é filmada nos mesmos lugares do acidente  — o Vale das Lágrimas, na fronteira de Mendoza, na Argentina —  e na mesma época do ano, entre outubro e dezembro. De acordo com o diretor, a equipe de produção buscava autenticidade e realismo, portanto, a neve, o vento e o frio tinham que ser reais, mesmo que isso custasse um esforço e uma organização extraordinários. 

Como deve ter sido levar todo o equipamento de filmagem para o topo da montanha e adaptar-se à constante mudança do clima lá no alto? “A primeira noite que passei lá foi uma das piores da minha vida. O enjôo da altitude me fez perder a noção do tempo e a dor de cabeça constante era insuportável. Mas vivenciar o frio extremo, a falta de oxigênio e a exaustão constante nos ajudou a entender o que os personagens principais passaram”, compartilha Bayona. 

Representação da Masculinidade 

Embora o filme represente a cultura de outra época — a América Latina nos anos 1970 —, o diretor espanhol tentou reconstruir uma masculinidade mais acolhedora e sentimental. Para ele, apesar dos papéis masculinos serem definidos pela sociedade e ainda mais de jogadores de uma equipe de rugby, as circunstâncias extremas o obrigam a questionar e romper esses costumes.

São homens que precisavam aprender a amar e cuidar uns dos outros, tanto física quanto emocionalmente  —  eles dormem nos braços um do outro, massageiam-se constantemente à noite, eles curam suas feridas”, explica J.A. Bayona

Ele ainda confessa que estava interessado em representar uma masculinidade distante de atos heróicos ou da ação espetacular, mas de uma essência presente nos corpos, nos gestos e nas pequenas interações entre eles. Desse modo, o trabalho com o elenco durante os ensaios era de formar um vínculo semelhante à sociedade durante a adversidade. 

A Polêmica do Canibalismo 

Uma das grandes controvérsias em torno do desastre é o modo pelo qual os sobreviventes conseguiram aguentar todas as intempéries e condições inóspitas ao se alimentar dos seus companheiros de voo. “Preservamos a privacidade e a intimidade dos personagens principais. E preferimos evocar emoções em vez de mostrar imagens explícitas. Imagens gráficas distraíam”, elucida o diretor.

Dessa maneira, o canibalismo não é evocado como algo tão chocante quanto a ideia já nos permite imaginar. Nenhuma cena é montada com sangue e os pequenos pedaços de carne são um símbolo de força para continuar em frente, lutando, apesar de tudo. Nas palavras do cineasta, “para eles [os sobreviventes] comer carne humana tornou-se uma ocorrência cotidiano, no entanto, é impossível transformar algo tão sinistro em algo trivial em apenas duas horas de filme”.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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