The Handmaid’s Tale tem o poder de ritmar os batimentos cardíacos da audiência. Como uma espécie de melodia que segue os passos de seus protagonistas, respiramos no compasso da profundidade da tragédia que nos é apresentada. E não ter o domínio sobre a nossa própria ansiedade em cada capítulo assistido pode ser traumático. Talvez seja por isso que a impetuosa segunda temporada da aclamada produção tem gerado tantos desconfortos. Proposital, estes súbitos momentos de angústia são uma resposta a longos períodos de silêncio quando o assunto era o papel da mulher na sociedade e seu valor como indivíduo.
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No quinto episódio da narrativa, a dor que nos consome oriunda dos sucessivos abusos físicos e emocionais empregados em Gilead dá lugar para os seus reflexos, dentro da conturbada mente de June, vivida por Elisabeth Moss. Isolada em seus pensamentos, nossa destemida protagonista se perde dentro de si, em meio a uma série de abusos emocionais e mentais que tentam abafar e eventualmente calar sua personalidade tão voraz a gritante. Em ‘Seeds‘, nos encaramos como espectadores que se tornam a fagulha de esperança em uma June fatigada, encurralada por todos os lados com circunstâncias imutáveis. E como se fôssemos aquela voz que clama no deserto, passamos quase uma hora tentando reerguer aquela que até então era o nosso sopro de esperança.
Em um capítulo que reside no estafo mental e emocional, somos apresentados a um terrível paralelo sobre os princípios do casamento. Em extremidades completamente adversas, o “amor” toma formas bem distintas, se configurando como uma pedofilia mascarada, disfarçada e à iminência de um luto, que se anuncia em marcas dolorosas da toxicidade das Colônias. Em ambos os casos, a dor se reconfigura, seja em um conceito fajuto de sociedade “justa”, seja no abandono de um grupo de mulheres esquecidas pela própria existência. Nesses mesmos contextos, novo começos tentam nascer. Ironicamente, eles de fato representam o princípio da morte, seja da pureza, seja da vida em si.
‘The Handmaid’s Tale’: Falamos com Bruce Miller, o criador da série sensação
À medida que caminhamos adiante, The Handmaid’s Tale se revela como uma produção que cada vez mais possui assuntos pontuais para abordar. Indo além do cerne que compreende as calejadas aias, a série amplia nossa dimensão sobre o regime totalitarista, que ao mesmo tempo que glorifica de maneira estranha cada nova semente gerada no ventre, já planeja os rumos dela. Estas, que antes mesmo de nascer, já estão fadadas ao esquecimento e escravidão. Ao mostrar a profundidade da anulação da existência humana perante a concentração do poder em patriarcas que apenas simbolizam a misoginia, THT segue firme na sua missão de causar uma desconfortável indignação, a fim de provocar diálogos que gerem mudanças.
Com uma triste e bela fotografia e a sensível linguagem corporal de Moss, que entrega o esgotamento pleno de uma vida dedicada à sobrevivência, o episódio ‘Seeds‘ consegue nos arrebatar em seus minutos finais, nos devolvendo o olhar de esperança profundo que se revela nos brilhantes olhos azuis de June. E em meio a uma cegante claridade que contrasta com toda a paleta de cores utilizada ao longo de seus pouco mais de 45 minutos, o capítulo reacende a fagulha da audiência, com uma chama nova que nasce graças àquela pequena semente da vida que insiste em crescer em meio a um cenário de morte. Seja bem-vinda de volta implacável guerreira.
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