sábado, abril 27, 2024

Crítica | ‘A Noite das Bruxas’ – “Sequência” de ‘Morte no Nilo’ traz suspense ENVOLVENTE em trama ambiciosa

Em 2017, Kenneth Branagh dava origem a uma inesperada franquia baseada nos escritos da lendária mestra do crime, Agatha Christie, com uma divertida e subestimada adaptação de ‘Assassinato no Expresso do Oriente’. Cinco anos mais tarde, ele retornaria à cadeira de direção e ao papel do detetive Hercule Poirot para ‘Morte no Nilo’, consagrando uma saga que ganharia mais capítulos; dito e feito, ‘A Noite das Bruxas’ foi escolhido como a próxima investida cinematográfica de Branagh, nos levando do Egito para a Itália em uma releitura sinistra de um dos romances menos aclamados de Christie e que, décadas após seu lançamento, recebeu uma reavaliação bastante positiva que seria traduzida pelas competentes mãos tanto do cineasta quanto de um elenco estelar.

Nessa nova aventura, Poirot (Branagh) está aposentado e vive sozinho na Itália, recusando-se a atender novos chamados de crimes complexos e assassinatos mórbidos. Todavia, ele é visitado por uma amiga de longa data, a escritora Ariadne Oliver (Tina Fey), que o incita a participar de uma festa de Dia das Bruxas após dizer que viu “coisas de outro mundo” que a fizeram quase abandonar seu lado cético. Determinado a entender o que está acontecendo, Poirot e Ariadne viajam para um imponente Palazzo em Veneza, onde são recebidos pela proprietária Rowena Drake (Kelly Reilly), que sofre com o suicídio de sua única filha e contratou uma médium, Joyce Reynolds (Michelle Yeoh) para tentar contatá-la do além e, talvez, colocar um fim em sua contínua miséria.

Todavia, as coisas saem do controle quando, após Joyce incorporar o espírito da filha, Poirot descobre uma farsa envolvendo a médium e dois asseclas que utilizam quinquilharias tecnológicas e efeitos práticos para dar vida aos surpreendentes acontecimentos, Nicholas (Ali Khan) e Desdemona Holland (Emma Laird), irmãos órfãos que foram acolhidos pela clarividente. Enquanto não acredita nas falcatruas de Joyce, porém, o detetive é forçado a sair de sua tão merecida aposentadoria após a médium ser brutalmente assassinada – levando-o a crer que algo se esconde por trás da melancólica narrativa do Palazzo. É a partir daí que ele começa o conhecido interrogatório, que se estende para o perturbado médico Leslie Ferrier (Jamie Dornan), que está acompanhado do astuto e precoce filho, Leopold (Jude Hill); a dama de companhia de Rowena, Olga Seminoff (Camille Cottin); o ex-cunhado de Rowena, Maxime Gerard (Kyle Allen); e um inveterado policial chamado Vitale Portfoglio (Riccardo Scamarcio).

Dentre os filmes do “universo Christie” arquitetados por Branagh, ‘A Noite das Bruxas’ é, de fato, o mais ambicioso. Afinal, os dois capítulos anteriores se valeram da concretude e da palpabilidade dos crimes cometidos; aqui, todos os indícios colocam a fria e calculista lógica de Poirot em cheque, levando-o, várias vezes, a duvidar do que está acontecendo e da sua própria insanidade. Todavia, ele luta contra os próprios demônios anteriores – como a infeliz morte de sua noiva, Katherine – para colocar-se de volta nos eixos e resolver um mistério muito cabuloso. Não é surpresa, pois, que o diretor aposte fichas em toques do terror para construir uma atmosfera claustrofóbica e opressora, em que boa parte das sequências são confinadas aos estreitos e ecoantes corredores do Palazzo.

Dito isso, é notável o apreço de Branagh por escolas fílmicas clássicas, como o expressionismo, para engendrar essa ambientação: temos uma fotografia mais escura, marcada por tons em vermelho, preto e marrom, aliados a um constante uso de cores quentes para indicar um passado escondido do casarão – e que tem importância significativa para o arco de cada um dos personagens; a utilização de ângulos exagerados, em contraste com o método e a racionalidade de Poirot; o jogo de luz e sombra para brincar com o foreshadowing e as intenções ambíguas dos suspeitos; e uma bem-vinda teatralidade que puxa elementos do gótico e do drama para um competente esquema narrativo.

É claro que o filme não é livre de erros – e até mesmo parte do elenco cede a um roteiro corrido e a uma montagem fragmentada demais para nos envolver no que poderia ser uma obra quase impecável. A intenção do diretor e de sua equipe é misturar as angústias do terror psicológico com uma corrida contra o tempo que coleta mais e mais vítimas, mas a carência de preocupação em relação a esses aspectos nos diverge do objetivo principal mais de uma vez, por mais que tenha um sólido saldo positivo conforme os créditos finais aparecem nas telonas.

Não deixe de assistir:

‘A Noite das Bruxas’ reitera a posição de Branagh como um grande conhecedor da sétima arte e, aqui, permite que ele busque alternativas artísticas a um gênero que, de certa maneira, vem saturando o mercado. Eventualmente, há falhas amadoras que poderiam ser lapidadas – mas isso não quer dizer que não possamos nos divertir com um novo capítulo de uma saga que ainda tem muito a contar.

Mais notícias...

Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

Siga-nos!

2,000,000FãsCurtir
370,000SeguidoresSeguir
1,500,000SeguidoresSeguir
183,000SeguidoresSeguir
158,000InscritosInscrever

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

MATÉRIAS

CRÍTICAS

Em 2017, Kenneth Branagh dava origem a uma inesperada franquia baseada nos escritos da lendária mestra do crime, Agatha Christie, com uma divertida e subestimada adaptação de ‘Assassinato no Expresso do Oriente’. Cinco anos mais tarde, ele retornaria à cadeira de direção e ao...Crítica | 'A Noite das Bruxas' - “Sequência” de ‘Morte no Nilo’ traz suspense ENVOLVENTE em trama ambiciosa