domingo , 8 dezembro , 2024

Crítica | Ferrugem – Vencedor do Festival de Gramado é relevante e intenso

13 Reasons Why que Deu Certo

Cada vez mais produções que discutem o bullying, o abuso de jovens e crianças, a depressão e o suicídio, são realizadas. A maioria de forma competente e responsável. Afinal, este é o mal do século e precisa ser discutido. A arte, que sempre refletiu a vida, tenta abrir o diálogo para expor este tipo de comportamento tóxico, extremamente nocivo em uma época de nossas jornadas na qual não possuímos o melhor dos discernimentos entre certo e errado, entre saudável e danoso. O novo exemplar do lote atende pelo título Ferrugem, filme do baiano Aly Muritiba.

O cineasta, embora jovem, tem um currículo extenso e tarimbado, datando de 2007. Entre curtas, documentários, séries e longas, Muritiba tem neste trajeto de onze anos, quinze produções assinadas por ele. O prestígio não está atrás do talento, e o diretor já guarda em sua promissora carreira um prêmio no famoso Festival de Sundance (2013), pelo roteiro de Minha Amada Morta. Chegando junto de tal importância, Ferrugem já engata em sua estrada rumo aos louros, saindo de nosso Festival de Gramado com a honraria do melhor filme. Merecidamente.



Ferrugem está entre os pré-selecionados para representar o Brasil por uma vaga na categoria de Oscar estrangeiro e irá disputar com pesos pesados – igualmente muito elogiados – vide As Boas Maneiras, de Marco Dutra e Juliana Rojas, e Benzinho, de Gustavo Pizzi.

Esquecendo toda a bagagem fora das telas e se concentrando no apresentado durante a projeção, podemos afirmar que Ferrugem é um filme forte e impactante, que aborda uma questão delicada com bastante sobriedade. O roteiro, escrito pelo próprio Muritiba (em parceria com Jessica Candal) passeia pelos temas citados no primeiro parágrafo, criando uma interessante mescla entre o desconforto visceral do mexicano Depois de Lúcia (2012), de Michael Franco, e a delicadeza do penoso ponderar do programa juvenil 13 Reasons Why.

Na trama, a vida da jovem Tati (Tiffanny Dopke), uma estudante colegial, é virada do avesso após uma indiscrição – reflexo de nossos tempos exibicionistas – ao lado do ex-namorado em um vídeo vazar e viralizar pelo colégio. Em minha adolescência, nos primórdios da internet no país (final da década de 1990), lembro de um caso parecido, naquela época já assustador o suficiente, que fez uma estudante de um colégio de elite desaparecer por uns tempos.

Ferrugem se divide em duas partes: a causa e a consequência. Na primeira metade se consolida como conto cautelar sobre como é perigoso este tipo de ato que expõe sem dó nem piedade nosso âmago, nos marcando para sempre numa época difícil e cruel por natureza. Reverter tal quadro, ainda mais nesta fase, pode levar anos ou décadas. Assim como Depois de Lúcia, Ferrugem nos questiona enquanto nos coloca na posição de vítima, mas também de algoz. Ao mesmo tempo prepara terreno para o segundo ato, numa transição chocante, porém, longe da qualquer gratuidade.

Em sua segunda metade, Ferrugem aborda consequências, tristeza, amargor e o peso da culpabilidade. Subverte personagens, mostra por trás dos panos e extrai a monstruosidade implícita em cada um de nós, que diariamente danificamos ao ser danificados. Através de cada sentimento mesquinho, a inveja, o ciúme, a arrogância da certeza absoluta, a falta de compaixão, os envolvimentos venenosos e viciosos dos quais não conseguimos nos desvincular. O filme de Muritiba vai ao âmago da questão, explorando sentimentos e os retratando de forma muito honesta. E o melhor, sem qualquer falsa demagogia. Neste segundo ato, seguimos o “outro lado da moeda”, pelos olhos de Renet (Giovanni de Lorenzi), jovem dono de seus próprios demônios pessoais, materializados pelos pais (Enrique Diaz e Clarissa Kiste).

Ferrugem é um filme para os tempos de hoje. Imprescindível e atualíssimo. É a sacudida necessária de tempos em tempos para diminuir nossa nocividade inerente. Um dos mais eficientes exercícios sensoriais do ano, o filme é o beabá do bullying e de seus desdobramentos trágicos. Sem maniqueísmos ou nos pegar pela mão de forma condescendente, Ferrugem apenas fornece uma imagem mirada de nosso lado mais negro, o qual desejamos manter enterrado a sete chaves, à frente dos holofotes.

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O cineasta, embora jovem, tem um currículo extenso e tarimbado, datando de 2007. Entre curtas, documentários, séries e longas, Muritiba tem neste trajeto de onze anos, quinze produções assinadas por ele. O prestígio não está atrás do talento, e o diretor já guarda em sua promissora carreira um prêmio no famoso Festival de Sundance (2013), pelo roteiro de Minha Amada Morta. Chegando junto de tal importância, Ferrugem já engata em sua estrada rumo aos louros, saindo de nosso Festival de Gramado com a honraria do melhor filme. Merecidamente.

Ferrugem está entre os pré-selecionados para representar o Brasil por uma vaga na categoria de Oscar estrangeiro e irá disputar com pesos pesados – igualmente muito elogiados – vide As Boas Maneiras, de Marco Dutra e Juliana Rojas, e Benzinho, de Gustavo Pizzi.

Esquecendo toda a bagagem fora das telas e se concentrando no apresentado durante a projeção, podemos afirmar que Ferrugem é um filme forte e impactante, que aborda uma questão delicada com bastante sobriedade. O roteiro, escrito pelo próprio Muritiba (em parceria com Jessica Candal) passeia pelos temas citados no primeiro parágrafo, criando uma interessante mescla entre o desconforto visceral do mexicano Depois de Lúcia (2012), de Michael Franco, e a delicadeza do penoso ponderar do programa juvenil 13 Reasons Why.

Na trama, a vida da jovem Tati (Tiffanny Dopke), uma estudante colegial, é virada do avesso após uma indiscrição – reflexo de nossos tempos exibicionistas – ao lado do ex-namorado em um vídeo vazar e viralizar pelo colégio. Em minha adolescência, nos primórdios da internet no país (final da década de 1990), lembro de um caso parecido, naquela época já assustador o suficiente, que fez uma estudante de um colégio de elite desaparecer por uns tempos.

Ferrugem se divide em duas partes: a causa e a consequência. Na primeira metade se consolida como conto cautelar sobre como é perigoso este tipo de ato que expõe sem dó nem piedade nosso âmago, nos marcando para sempre numa época difícil e cruel por natureza. Reverter tal quadro, ainda mais nesta fase, pode levar anos ou décadas. Assim como Depois de Lúcia, Ferrugem nos questiona enquanto nos coloca na posição de vítima, mas também de algoz. Ao mesmo tempo prepara terreno para o segundo ato, numa transição chocante, porém, longe da qualquer gratuidade.

Em sua segunda metade, Ferrugem aborda consequências, tristeza, amargor e o peso da culpabilidade. Subverte personagens, mostra por trás dos panos e extrai a monstruosidade implícita em cada um de nós, que diariamente danificamos ao ser danificados. Através de cada sentimento mesquinho, a inveja, o ciúme, a arrogância da certeza absoluta, a falta de compaixão, os envolvimentos venenosos e viciosos dos quais não conseguimos nos desvincular. O filme de Muritiba vai ao âmago da questão, explorando sentimentos e os retratando de forma muito honesta. E o melhor, sem qualquer falsa demagogia. Neste segundo ato, seguimos o “outro lado da moeda”, pelos olhos de Renet (Giovanni de Lorenzi), jovem dono de seus próprios demônios pessoais, materializados pelos pais (Enrique Diaz e Clarissa Kiste).

Ferrugem é um filme para os tempos de hoje. Imprescindível e atualíssimo. É a sacudida necessária de tempos em tempos para diminuir nossa nocividade inerente. Um dos mais eficientes exercícios sensoriais do ano, o filme é o beabá do bullying e de seus desdobramentos trágicos. Sem maniqueísmos ou nos pegar pela mão de forma condescendente, Ferrugem apenas fornece uma imagem mirada de nosso lado mais negro, o qual desejamos manter enterrado a sete chaves, à frente dos holofotes.

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