Crítica | Lizzo faz um poderoso retorno ao mundo da música com o incrível ‘Special’

Depois de três longos anos, Lizzo, alter-ego artístico de Melissa Jefferson, finalmente retornou ao mundo da música com o lançamento de seu quarto álbum de estúdio, ‘Special’. Após vários projetos separados e solos, a cantora e compositora, que ascendeu a uma proeminência mundial no final da década passada, já estava pronta com um projeto extremamente especial (sem trocadilhos propositais), que a levaria de volta às raízes de sua identidade musical – sem deixar de apostar em elementos originais, versos explícitos e um senso de empoderamento que vem servindo de inspiração para diversos ouvintes.

O disco, composto por doze faixas originais na versão padrão, serve como um testemunho da própria Lizzo ao que ela já havia entregado nos anos anteriores. Se ‘Cuz I Love You’ havia apostado em uma construção mais cinemática e dançante, tais aspectos seriam trazidos para o novo universo que arquitetara em ‘Special’. Entretanto, é sempre necessário perceber como a discografia da performer é marcada por reinvenções que reiteram sua sagacidade em construir uma narrativa crescente, que oscila das incursões mercadológicas a um amadurecimento estético de tirar o fôlego. E, levando isso em consideração, o elemento inesperado vem com sua regressão a um passado não muito distante, em que nomes como Diana Ross, Prince e Janet Jackson dominavam as paradas e utilizavam a fusão de múltiplos estilos para se eternizarem no cenário fonográfico.

O lead single do álbum, “About Damn Time”, já revela as predileções de Lizzo pela estrutura regente da obra – uma explosão antêmica de funk-pop e nu-disco que nos arremessa de volta para a transição entre os anos 1970 e 1980 e que é marcado por pequenas pérolas líricas (“sinto que vou ficar bem”) – todas engolfadas em sistêmicas experiências que a artista enfrentou recentemente (incluindo um backlash sobre sua figura física e sua indesculpável predisposição por quebrar tabus sexuais, uma tendência que vem se tornando arma para combater conservadores e reacionários). Lizzo tem plena consciência de sua posição no mainstream, tendo conquistado esse patamar por todos os motivos corretos – e irritando cada vez mais quem ousasse destilar veneno para diminuir seus feitos.

A belíssima estrutura da canção supracitada, apesar de não abrir essa jornada bastante sinestésica e nostálgica, é base para diversas outras faixas que vibram ao longo de breves 35 minutos. Prestes a iniciar a incursão final, por exemplo, temos a presença “Everybody’s Gay”, que funciona como uma upbeat amálgama de sintetizadores, bateria, baixo e a presença marcante de trompetes – um meneio a Michael Jackson, com “Remember the Time”, e a Donna Summer, com “Hot Stuff” e “Bad Girls”, resumido pelo assertivo verso “é um lugar feliz aqui, baby, você está seguro”; as inflexões disco também gritam na urgência aplaudível e quase divinal de “2 Be Loved (Am I Ready)”, cuja melhor parte é o comedido e bem demarcado refrão que serve convite para as pistas de dança (e puxa um ou outro elemento explorados por Kylie Minogue em ‘Disco’).

Lizzo sabe como navegar entre as irrupções do nu-disco e as sutilezas das baladas, como vemos em “Naked”. Na track, a performer se despe, literal e figurativamente, das barreiras que ergueu para se proteger, posando nua em toda sua vulnerabilidade para mostrar que é humana, e não um produto que pode ser descartado quando não “tiver mais valia” – não é surpresa que a música configure-se como uma das mais honestas do álbum, seja pela opção de transformá-la em uma balada R&B, seja pelo conteúdo confessional que estampa nas estrofes. O mais espetacular, entretanto, vem na transição imperceptível entre esta faixa e a incrível trap-dance “Birthday Girl”, em que ela encarna uma persona à la Ross sem perder as nuances de um rap eximiamente performado.

Apesar de ter lançado poucos álbuns, Lizzo já provou diversas vezes que tem uma habilidade musical invejável, refletida por sua versatilidade vocal e por sua inclinação a não apenas estilos contrastantes, mas a épocas diferentes que se chocam em um único lugar recheado de mensagens belíssimas e toques frenéticos. E, por incrível que pareça, o número significativo de compositores e produtores não impacta no resultado de ‘Special’, que é mais coeso do que aparenta – mesmo quando colocamos “The Sign” e “If You Love Me” uma ao lado da outra (apenas a encargo de comparação); enquanto esta funciona como uma espécie de ressignificação alternativa da icônica banda de rock 4 Non Blondes, aquela se afasta do downtempo para abrir uma aventura sonora regada a uma inspiradora declamação de compreensão e de cura.

Contrariando o que parte do público vinha dizendo, o comeback de Lizzo veio no melhor momento que poderia e não decepcionou – pelo contrário, cumpriu todas as expectativas e ainda nos pegou de surpresa com algumas escolhas ousadas e impressionantes. ‘Special’ deve permanecer na memória dos fãs por muito tempo e, além de emergir como uma das melhores entradas de sua carreira, deve garantir à artista alguns merecidos prêmios nos próximos meses.

Nota por faixa:

1. The Sign – 4/5
2. About Damn Time – 5/5
3. Grrrls – 3,5/5
4. 2 Be Loved (Am I Ready) – 5/5
5. I Love You Bitch – 4/5
6. Special – 4,5/5
7. Break Up Twice – 5/5
8. Everybody’s Gay – 5/5
9. Naked – 5/5
10. Birthday Girl – 5/5
11. If You Love Me – 5/5
12. Coldplay – 4/5

Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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