quinta-feira, abril 18, 2024

[Exclusivo] Entrevista com Esmir Filho: ‘Boca a Boca’ é recomendada para quem curtiu ‘Sex Education’ e ‘Dark’

Com uma sinopse sobre um vírus transmitido por meio do beijo a assolar os jovens de uma cidade do interior do Brasil, a série Boca a Boca chegou nesta sexta-feira, dia 17 de julho, à Netflix e já chama atenção do público pelo seu ponto de conexão – antes distópico – com o panorama mundial sob o receio de uma doença sem cura a se espalhar pelos cinco continentes. 

Para saber um pouco mais sobre este universo metafórico, o criador e diretor geral da série Emir Filho concedeu uma entrevista exclusiva para o CinePOP horas depois da estreia da obra na plataforma de streaming. Neste agradável bate-papo, o cineasta nos conta sobre suas provocações criativas, seus projetos para o futuro e, principalmente, suas expectativas sobre a recepção do público nesta narrativa de descobertas sexuais e amadurecimento, temas dos quais ele é apaixonado por discutir em suas obras. 

Com 14 anos de carreira no audiovisual, Esmir Filho tornou-se conhecido pela repercussão na internet dos seus premiados curtas Tapa na Pantera (2006), Alguma Coisa Assim (2006) e Saliva (2007). Em 2010, lançou seu primeiro longa Os Famosos e os Duendes da Morte, já o segundo Alguma Coisa Assim (2018) foi uma adaptação do curta homônimo, e o terceiro Verlust chegará em breve aos cinemas, com Marina Lima e Andréa Beltrão. 

Confira abaixo uma parte do nosso bate-papo com Esmir Filho e veja a entrevista completa e original no nosso canal no YouTube

Esmir Filho e Juliana Rojas no set de filmagem de Boca a Boca

CinePOP: A pergunta mais óbvia neste momento é sobre a comparação da epidemia de Boca a Boca com a pandemia da Covid-19 no mundo real. Como está sendo a relação desses temas na divulgação da série?

Esmir Filho: A gente começou a construir a série há dois anos. A nossa vontade era falar de descobertas, desejos, experimentações, sobre o mundo jovem de hoje que é povoado por telas. (..) Quando a gente criou este surto epidêmico que passa pelo beijo era uma síndrome fantasiosa, mas ela funcionava como um antagonista na jornada dos jovens. Então, essa doença é um símbolo de luta. A epidemia é apenas um ponto de partida, a série lança um olhar sobre como as relações pessoais ficam depois dessa crise.

Como a Covid-19 é algo que estamos vivendo agora, ela está muito latente, mas o comportamento social é muito parecido [com as epidemias anteriores]. Existe um quadro de pânico, um quadro de desconfiança, discriminação, preconceito, alguns corpos que são privilegiados frente a outros por conta do embate de classes. Então, a gente discute tudo isso na série porque isso é um quadro sintomático da sociedade, da comunidade. Não é à toa que, agora, vamos fazer relações diretas, porque estamos vivendo isso hoje, só que a gente escreveu antes com base no nosso comportamento social. A gente lança luz [na questão] de até quando vamos nos comportar desta maneira?

CinePOP: Queria saber a sua opinião sobre outro discurso que está na série e também em voga no Brasil.  Dizem que somos um país do liberalismo econômico, mas do conservadorismo de hábitos.

Esmir Filho: Eu sou a favor do corpo. De a gente respeitar o nosso desejo interno e o desejo do outro. Eu sou favor do diálogo. Todo mundo precisa se escutar e ir junto. (…) A série é uma ode ao corpo, no sentido de um grito de liberdade frente um conservadorismo que quer calar os nossos corpos. O nosso corpo é o que a gente tem, gente. (…) Não temos que calar isso, temos que aprender a conviver. A série é uma mensagem contra a intolerância. Neste sentido, sou a favor do corpo e do respeito mútuo. 

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CinePOP: Após terminar Boca a Boca, ficou muito forte na minha cabeça a imagem do rosa e do azul e a junção dessas cores. Queria saber de onde veio essa referência e essa percepção estética.

Esmir Filho: Eu já tinha estudado isso no Saliva, que era um mundo cor-de-rosa e a utilização do papel celofane tal como as máscaras. Já a coisa do rosa e azul também ficou muito forte esse lugar de meninas [vestem] rosa e meninos [vestem] azul, mas isso não tem nada a ver. A gente “bebeu” um pouco no pensamento [de] ‘vamos misturar essas cores, o azul e o rosa, [porque] são lindas’ e elas se mistura o tempo todo. Não existe uma dualidade rosa e azul e sim uma fusão entre elas, que se transforma em roxo. Esse encontro é sobre isso. Tudo é narrativa. Eu consigo contar uma história não apenas através do roteiro, mas através das cores, da luz, da fotografia, da arte, claro, dos atores, da montagem. (…) O meu trabalho é fazer uma mixagem das cabeças [de toda uma equipe] para gente poder contar essa história. 

Não existe uma dualidade rosa e azul e sim uma fusão entre elas, que se transforma em roxo.

CinePOP: Eu conseguir ver um pouco de cada um dos seus filmes anteriores na série Boca a Boca. Esta foi uma intenção do seu projeto? 

Esmir Filho: Você acabou de ver [a série] e é uma das primeiras pessoas que já tinha visto todas as minhas obras para fazer essa relação. Isso é muito especial, porque dentro do cinema eu tenho experimentado muitas coisas. Acho que os meus temas centrais são: juventude, sexualidade, internet, descoberta, relacionamento humano íntimo, os quais em vim desenvolvendo em cada um. 

Os Famosos e os Duendes da Morte é um filme sobre a internet como uma janela para o mundo, quando estávamos descobrindo isso, antes das redes sociais, não existia Facebook [no Brasil] ainda. Era um internet retrô, de MSN, Flickr e Fotolog. Ele foi lançado em 2010 e foi muito bonito trabalhar esta visão poética da internet. A gente usou aquela frase: “Estar perto não é físico” e agora faz todo o sentido. 

Voltando pouquinho tem o curta Saliva, que fala dessa excitação e temor do primeiro beijo. O que é o primeiro beijo?  É a primeira vez que eu troco fluídos com alguém? O que são fluídos? Eu tenho que beber o outro? Beber a saliva do outro? O que é isso? E isso acontece quando a gente é muito jovem, entre oito e nove anos. 

Por último, Alguma Coisa Assim é uma amizade, que não é bem uma amizade, entre um menino e uma menina, ou é uma amizade colorida ou um amor encontrado, só que não tem nome. São as dores e as delícias de viver um relacionamento sem nome. É tão livre que desperta questões, pois não tem espelho social, então [surge a pergunta] “o que eu faço com isso? Como funciona esta relação?”. Tudo isso vem sendo retratado [nas minhas obras] e desemboca nesta série. 

CinePOP: O Brasil ainda não tem o hábito de fazer filmes voltados para os adolescentes sobre amadurecimento como os norte-americanos, o gênero chamados coming-of-age. Você se enxerga como precursor deste movimento no país?

Esmir Filho: É difícil falar de uma representação de mim mesmo, mas o que eu lembro é quando saiu o curta Alguma Coisa Assim (2006), porque o curta virou um longa 10 anos depois. Quando eu vi isso lá atrás, não existia muito curtas adolescente, sabe? O cinema não falava muito sobre adolescência. [Na época], eu recebi mensagens muito positivas e isso me instigou, porque eu gosto muito dessa fase. 

A adolescência vem quando você chora pela primeira vez sozinho no seu quarto, ou seja, você não chora para outro, você chora para você mesmo e você vira um adolescente. Eu adoro trabalhar com as descobertas de sentimentos. Por exemplo, a primeira vez é tão mágica, intensa, dolorida, em todos os aspectos. Eu sou muito motivado por este tema e vou continuar falando sobre ele. 

A adolescência vem quando você chora pela primeira vez sozinho no seu quarto.

CinePOP: Como é o lançamento na Netflix de chegar em centenas de países de uma só vez, mesmo já tendo um reconhecido mundo afora em festivais. Qual é o impacto desta diferença de ter uma obra que pode torna-se mais conhecida do que o Tapa Na Pantera, com mais 8 milhões de views somente no YouTube?

Esmir Filho: São 190 países, chegou hoje, agora, lançado esta manhã, então, estou ainda entendo o que é isso. (…) Para te dar uma ideia do agora, eu já acordei hoje bombardeado de mensagens e a maioria são de pessoas que eu não conheço, inclusive, que já maratonaram a série. Como assim as pessoas acordam oito horas da manhã, toma café e maratona uma série? Eu fiquei chocado de como é diferente este lugar. O “estreia amanhã” do cinema, você espera, existe um boca a boca – para fazer um trocadilho – até chegar a todo mundo. Este boca a boca do Boca a Boca foi instantâneo. Eu estou recebendo mensagens muito bacanas de pessoas que estão sacando a reflexão e refletindo junto.

CinePOP: Vi sites falando já sobre o que pode acontecer numa possível segunda temporada. Como estão os planos?

Esmir Filho: Eu vou ler esses textos e reunir ideias (risos). Existem vários elementos com os quais é possível fazer muitas relações [para o futuro]. Algumas coisas já ganharam nome, por exemplo, “assintomático”, a gente não usou a palavra “assintomático”, mas existe ali. O que eu quero dizer é que faço relações com o que estamos vivendo agora e entendo [a percepção das pessoas]. Pelo o que eu sei, o que o funciona na Netflix, é quanto mais gente ver, mais chance de ter uma segunda temporada, porque vontade pra gente não falta. A primeira temporada, ela é cheia de mistérios que levam para um possível desenvolvimento de outras temporadas, então quem quiser ir anotando… um deles é quem é o povo da floresta?

CinePOP: Para finalizar nosso bate-papo, quais dos seriados disponíveis na Netflix, você acredita que mostraria o Boca a Boca como recomendação? Ou seja, quais teriam uma relação direta com a série?

Esmir Filho: Quem viu Sex Education vai gostar da série. Só que Sex Education vai mais para o lado do humor, já o Boca a Boca é mais um suspense com fortes emoções. Elas têm coisas muito relacionadas a sexualidade, descoberta, adolescência. Eu gosto muito de Sex Education, principalmente a segunda temporada. E Dark também. Eu acredito que as duas têm atmosferas de tensão entre os adolescente. Dark lança uma discussão sobre a metáfora do tempo, do mundo, e a gente também lança uma metáfora sobre o crescer e o adolescer por meio de uma alegoria. Eu acredito, portanto, que essas duas séries são bons exemplos.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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