sexta-feira, abril 26, 2024

Crítica | O Escândalo – Três gerações de mulheres empoderadas brilham em drama

Até as Últimas Consequências

Durante séculos as mulheres lutaram por seus direitos de estarem mais incluídas na sociedade, fosse pelo trabalho ou pelo voto. Mas esta foi apenas a primeira vitória, pois uma nova e mais sórdida continua sendo travada em seus bastidores de emprego. O assédio sexual, moral, o abuso diário sofrido por mulheres nos mais variados âmbitos da vida profissional é uma premissa mais que digna para qualquer obra de arte, sejam livros, séries e produções cinematográficas. E é justamente o mote para este O Escândalo (Bombshell).

Capitaneado pela musa Charlize Theron, que além de protagonizar na pele da jornalista Megyn Kelly, produz o longa ao lado do diretor Jay Roach e do roteirista Charles Randolph, o projeto nasceu de uma história real ocorrida no coração de um dos veículos de extrema direita norte-americano, a Fox News. Por mais controversas que sejam as opiniões dos jornalistas contratados pelo canal (alguns sequer concordando com o que são forçados a dizer em rede nacional – o que cria todo um novo debate sobre jornalismo e moral), o foco do filme não é ideologia política e sim a conduta opressora dentro do local de tralho. E claro, empoderamento feminino.

Voltando ao parágrafo acima, embora não seja o foco, a ideologia não é esquecida, muito pelo contrário. O filme abre bem na época da fervorosa campanha política à presidência norte-americana que elegeu Donald Trump. O presidente dos EUA, como figura polêmica que é, não poderia escapar ileso. O Escândalo abre com a “guerra pessoal” entre a protagonista e o candidato durante uma entrevista. Um dos inúmeros acertos do longa é descortinar os bastidores de uma emissora de TV deste porte, onde o que mais importa são os números. Tal insight jornalístico o coloca ao lado de produções elogiadas como Rede de Intrigas (1976) e Nos Bastidores da Notícia (1987), dadas as devidas proporções.

A trama acompanha três mulheres, jornalistas, em fases diferentes de suas carreiras, mas todas trabalhando para a mesma companhia: Megyn Kelly (Theron) está na crista da onda e é uma das profissionais mais respeitadas da área; Gretchen Carlson (Nicole Kidman) é a veterana tirada do horário nobre para um programa sem muita audiência por não aceitar desaforo – ela se encontra em decadência até de fato ser demitida do canal; e Layla Pospil (Margot Robbie), do trio principal a única personagem criada para o filme, é a novata recém-chegada na emissora, com grandes sonhos e ambições. As três, mesmo sem saber inicialmente, estão ligadas por um ocorrido repugnante, que está intrinsecamente vinculado a suas carreiras profissionais: todas foram assediadas sexualmente pelo chefe, o diretor geral da rede, Roger Ailes (John Lithgow).

Só de termos um trio do porte de Theron, Kidman e Robbie, que são verdadeiramente a nata de suas gerações, já valeria o ingresso. Quando elas entregam atuações empenhadas neste nível, a coisa melhora o sabor consideravelmente. Não por acaso, Theron e Robbie estão indicadas no Globo de Ouro pro ano que vem, e possivelmente verão novas indicações ao Oscar no currículo (e quem sabe Kidman as acompanhe). O elenco de apoio é igualmente espetacular, com destaque para Lithgow, humanizando bastante seu crápula, um dinossauro fora de seu tempo.

O roteiro de Randolph é exímio, e repete as mesmas batidas que já havia entregue em A Grande Aposta (2015), sucesso no Oscar de alguns anos atrás. Seus diálogos expositivos servem para situar a audiência no complexo emaranhado de, não só quem é quem neste jogo, mas também como o jogo funciona. Estes são alguns dos casos onde exposição é bem-vinda, trabalhando a favor da narrativa e da construção da história. Fora isso, o roteirista tem tempo para criar diálogos memoráveis, os quais iremos repetir ao longo de todo o ano, ou quem sabe para sempre. Alguns dos mais divertidos se encontram na boca da Jess Carr de Kate McKinnon, a colega de trabalho de Robbie. O roteiro favorece o trio e suas coadjuvantes, dando espaço para todas brilharem, além de tratar o tema delicado com a seriedade que ele merece.

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A direção de Roach – mais lembrado por ter comandado comédias de sucesso vide a trilogia Austin Powers e Entrando Numa Fria, mas igualmente escolado no cinema político e social, vide Virada no Jogo (2012), Trumbo – Lista Negra (2015) e Até o Fim (2016) – é dinâmica e fluída, movendo o ritmo de forma acelerada, e não dando descanso ao espectador. Seu filme faz com as palavras e trama, o que filmes de super-heróis fazem com a ação para a garotada: que é deixar todos grudados na tela, sem fôlego. Aqui, nos sentimos mais estimulados, por tratar de questionamentos reais e atuais. Só de pensarmos o quão próximo foi o ocorrido (em 2016), é de causar arrepios.

No quesito das escorregadas, a principal é a maquiagem que modifica os rostos de Theron e Kidman para deixá-las mais parecidas com suas contrapartes reais. Completamente desnecessário, o artifício mais nos distrai do que ajuda a contar esta história. Afinal, onde está escrito que para dar credibilidade a esta poderosa trama, é necessário que tais mulheres fiquem idênticas às personagens reais? O cinema é magia, faz de conta e saltos de fé. Essa história é mais importante do que apenas as mulheres que as envolve, é para todas as mulheres do planeta, e a identificação seria maior caso víssemos em tela as presenças de Theron e Kidman. Neste caso soa apenas como exercício prático para mostrar o que os profissionais do ramo de próteses, penteados e maquiagem são capazes de fazer. A de Kidman, no entanto, deixa a desejar, soando muito artificial.

Apesar de tal deslize e de uma montagem ligeiramente frouxa, O Escândalo mostra a que veio, indo direto ao ponto como uma faca no coração. Os avessos ao feminismo panfletário ou qualquer discurso unilateral podem descansar sossegados também, o longa não está aqui para unicamente levantar bandeiras, embora seja um filme denúncia. Seu maior mérito é o desenvolvimento de seus personagens, humanizando “vilões”, mostrando seu lado bom, e ao mesmo tempo apresentando as falhas das protagonistas, seja no lado da ambição ou na falta de sororidade. Erros que nos faz humanos e não propagandas ambulantes para qualquer causa. O problema existe, é real, deve ser combatido e erradicado. Mas as pessoas continuarão sendo apenas humanas.

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