sexta-feira, maio 3, 2024

Crítica | Time é um poderoso documentário sobre amor, força e encarceramento

Se 2020 é o ano dos documentários, adicione mais um à lista dos grandes: ‘Time’. A obra que acompanha a vida de uma mulher cuidando sozinha dos seis filhos e mantendo a família unida durante os anos de encarceramento do marido traz um olhar complexo sobre o sistema penitenciário norte-americano, mas também sobre a relação desta mulher com o tempo, a educação dos filhos, a dureza da solidão e seus anos transformadores como ativista social.

A direção delicada de Garrett Bradley, que venceu o prêmio da categoria no Festival de Sundance deste ano, nos coloca dentro da casa de Fox Rich e nos convida para olhar para dentro da vida dela e de seus filhos sem jamais trazer condescendência, sem resguardar a família a um lugar de vítima inerte que não os cabe, e isso não faz da história menos emocionante. O contexto é quase banal de tão comum: Fox e Rob G. Rich seriam aquele típico casal apaixonado do Ensino Médio que se casa e constitui uma família, não fossem os problemas financeiros que fizeram com que as coisas começassem a dar errado e as soluções desesperadas logo se transformassem nas únicas possíveis. 

É assim que Rob e seu primo acabam em um plano para roubar uma companhia de crédito. Fox entra na empreitada como a motorista de fuga. Presos, ela cumpre três anos e meio, enquanto ele é sentenciado a 60 anos sem fiança ou liberdade condicional.

Embora o conflito da vida de Fox e do documentário em si sejam em torno da prisão de Rob, jamais o material deixa sair do holofote o fato de esta obra ser sobre a luta dela, e não dele. Trata-se de um estudo sobre causas e consequências, e essas consequências estão diretamente ligadas à vida dela e dos filhos. Mesmo assim, o fantasma da ausência dele é sentido com frequência pelos corredores da casa e na própria falta de imagens dele durante o período em que esteve preso. 

Nos primeiros minutos do documentário, vimos uma montagem dos arquivos pessoais de Fox, que passeia por vários momentos de sua vida com os filhos ao longo dos anos sem obedecer uma ordem cronológica — uma escolha artística que eleva o filme a um degrau acima. A imagem que abre o documentário traz Fox posicionando a câmera no melhor ângulo possível para contar sua história, uma semana depois de ela ter sido liberada da prisão. No seu quarto em sua casa, ela conta sobre a prisão do marido, sobre ela ter conseguido a sua liberdade, e logo parte para um assunto mais feliz ao mostrar a barriga, grávida de gêmeos e nas semanas finais de gestação daqueles que viriam a ser Freedom e Justus.

Este olhar tão intimista, atravessado pela narrativa de Fox e pela de Bradley e seu montador, é o que traduz uma história sobre uma realidade tão dura e sacrificante eventualmente em um conto tão gentil sobre perseverança e amor, que não se ancora em recursos fáceis e utópicos de meritocracia para eventualmente encontrar certa paz e conforto. Entre momentos de alegria e vitórias, há também derrotas, esperas que parecem infinitas, medos e muito cansaço.

Fox, por exemplo teme pelo momento em que seus meninos se tornarem homens com o pai ainda encarcerado, e escancara os sacrifícios que fez para manter a família intacta e unida. A montagem sabiamente intercala vários momentos e não obedece a ordem do tempo, transformando a ideia da demora da passagem do tempo, e da espera pela liberdade de Rob, em algo ainda mais poderoso pela brutalidade do contraste. Em um minuto, estamos diante dos gêmeos como completos adultos e, no seguinte, eles são duas crianças falando sobre prêmios da escola. Em ambos, o pai continua preso. O impacto dessa montagem na concepção do tempo como um objeto de estudo faz cada insegurança daquela mãe ressoar ainda mais forte.

O resultado é um filme que cai como uma espécie de quebra-cabeças artístico, que enxerga os momentos de alegria na vida de Fox e seus seis filhos como um contraponto cruel até mesmo ao fato de Rob ter perdido tanta coisa, ter ficado de fora de toda uma existência de sua família. A matriarca também evolui e se transforma em uma pessoa diferente enquanto seus filhos se formam na faculdade, aprendem a falar francês e ela mesma se dedica a discursar publicamente sobre a dor desse distanciamento do marido. É com um tipo de “dor de alegria” que ‘Time’ não se restringe a um final feliz ou um final triste — na história desta família, o que exatamente seria um final se não uma espécie de início?

Não deixe de assistir:

*Time está disponível no Prime Video.

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Laysa Zanettihttps://cinepop.com.br
Repórter, Crítica de Cinema e TV formada em Twin Peaks, Fringe, The Leftovers e The Americans. Já vi Laranja Mecânica mais vezes que você e defendo o final de Lost.

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