sexta-feira, abril 26, 2024

Opinião | Grammy Awards 2024 novamente escancara o privilégio branco no cenário da música

Na noite de ontem (04), ocorreu a 66ª edição do Grammy Awards – que visou premiar o melhor do cenário fonográfico entre outubro de 2022 e setembro de 2023 – e, seguindo o mesmo padrão dos outros anos, continuou a alimentar o racismo estrutural que permeia a premiação.

Não é de hoje que o Grammy falha em reconhecer os artistas negros que alimentam a cultura mundial com celebrações das incursões musicais que utilizam como plataforma política e crítica. Apenas nos últimos anos, tivemos Kendrick Lamar sendo completamente esnobado da categoria de Álbum do Ano com ‘To Pimp a Butterfly’ (considerado o melhor compilado de originais do século por diversos consórcios especializados), The Weeknd sendo varrido para debaixo do tapete com ‘After Hours’, não recebendo sequer uma indicação (mesmo já se consagrando como o maior álbum da década de 2020), Beyoncé perdendo mais uma estatueta após o impacto cultural promovido por ‘Renaissance’ e, agora, SZA (a favorita para ganhar o prêmio máximo da noite) escanteada para subcategorias mesmo com o inegável sucesso de seu segundo álbum de estúdio, ‘SOS’.

As discussões acerca desse problemático histórico foram reacendidas pouco depois de Taylor Swift levar seu quarto gramofone dourado por Álbum do Ano por ‘Midnights’ – que, devo comentar, quebrou inúmeros recordes ao redor do planeta e a eternizou, mais uma vez, como uma das maiores artistas da história. Entretanto, sua vitória veio acompanhada de um sentimento agridoce e justificável, ainda mais por reiterar que, não importa o quão bom seja o corpo de trabalho de uma artista negra, não é o suficiente para quebrar a bolha caucasiana e tradicionalista da bancada – que não tem bagagem o suficiente para se conectar com as exuberâncias criadas por pessoas que sempre foram descartadas e renegadas ao segundo plano.

SZA lançou o que apenas podemos considerar como o melhor álbum de 2022 com ‘SOS’. O compilado de originais não apenas foi pautado no R&B, no hip hop e no pop, como trouxe incursões da música eletrônica, do indie rock, do folk, do soul, do gospel, do jazz e de diversos outros gêneros amalgamados em uma explosiva e reverberante narrativa metadiegética que a colocou como uma das performers de maior originalidade do cenário contemporâneo. Ora, ela até mesmo se inspirou em uma foto da saudosa Princesa Diana, tirada por um paparazzi, para compor a capa do disco – levando o tempo que precisava para gestar uma obra-prima sonora que a colocou no mesmo patamar dos últimos lançamentos de Beyoncé, por exemplo. Mais do que isso, ela conseguiu remar contra a maré saudosista do disco e do house que, desde 2020, vinha dominando o cenário mainstream. O resultado: ‘SOS’ permaneceu por dez semanas no topo da Billboard 200, tornando-se o álbum de maior longevidade na década (até o momento), o primeiro álbum feminino a ficar pelo menos dez semanas em primeiro lugar desde ‘25’, de Adele e o primeiro álbum de R&B a conquistar tal feito desde 1991, quando Mariah Carey dominou as paradas com seu disco homônimo.

A verdade é que a derrota de SZA apenas colocou mais uma centelha de frustração frente a uma luta que é travada, no escopo fonográfico, há décadas – e, na história, há séculos. Enquanto o racismo não é mais delineado de forma tão escrachada quanto antes, as raízes permanecem vivas e de modo passivo-agressivo. É impressionante, no pior sentido do termo, como a última mulher negra a conquistar o Álbum do Ano foi há 25 anos, quando Lauryn Hill levou o prêmio máximo para casa por ‘The Miseducation of Lauryn Hill’; desde então, diversas performers agraciaram seus fãs e os amantes de música com produções impecáveis e revolucionárias – Beyoncé, com seu disco homônimo, que literalmente mudou as “regras” de lançamento da indústria, e com o suprassumo criativo de ‘Lemonade’; Rihanna com ‘ANTI’, que sequer conquistou um mísero gramofone dourado; Janelle Monáe com ‘The ArchAndroid’ e ‘Dirty Computer’, indicada este ano com o ótimo ‘The Age of Pleasure’; e muitas outras.

Durante a cerimônia, o lendário rapper Jay-Z subiu aos palcos para receber o prêmio honorário Dr. Dre Global Impact e aproveitou para alfinetar a Academia e o descaso que os votantes e a própria produção do evento têm em relação a artistas negros, além de fazer menção ao fato de que sua esposa, Beyoncé, é a artista mais condecorada da história do evento com 32 prêmios e nunca recebeu a condecoração máxima. “Ela tem mais Grammys que todo mundo e nunca ganhou Álbum do Ano. Então, mesmo por suas próprias métricas, isso não faz sentido”, ele disse. “Pensem sobre isso. O maior número de Grammys, nunca ganhou Álbum do Ano. Isso não faz sentido”.

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Seu discurso foi reiterado pouco depois, quando Swift ganhou o maior prêmio da noite em cima de quem, claramente, merecia levá-lo.

Vários podem comentar acerca de outras estatuetas dadas a artistas brancos, como Miley Cyrus e Billie Eilish. Todavia, a questão não engloba prêmios dedicados a músicas – e, dentro desse escopo, Cyrus já foi esnobada diversas vezes e conquistou seus dois primeiros gramofones ontem (Melhor Performance Pop Solo e Gravação do Ano), enquanto Eilish, de fato, entregou a melhor composição lírica para levar Música do Ano para casa. A questão é que artistas negros, na maioria das vezes, são enclausurados em subcategorias de R&B e hip hop, como se não tivessem a chance de quebrar os parâmetros para as principais categorias. É claro que, ano passado, Lizzo merecidamente conquistou Gravação do Ano com “About Damn Time” – mas não é o suficiente para ofuscar a quantidade exorbitante de artistas brancos que são escolhidos pela Academia.

Se deixarmos a pauta racial de lado, ‘Midnights’ não se sobressai em originalidade frente aos outros indicados. Swift concorreu com Lana Del Rey por ‘Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd.’, uma das melhores entradas de sua carreira; com o pop-perfection de ‘Endless Summer Vacation’, de Cyrus; com o nostálgico e vibrante ‘GUTS’, de Olivia Rodrigo’; com a impecabilidade de ‘The Record’, do grupo Boygenius; com a celebratória narrativa de ‘World Music Radio’, de Jon Batiste; com a sensual suavidade de ‘The Age of Pleasure’, de Monáe; e, é claro, com a perfeição prismática de ‘SOS’, de SZA. Todos oferecendo um pouco a mais que Taylor – que, não me entendam mal, alcançou um status significativo com o lançamento de ‘folklore’, pelo qual, de fato, mereceu o Álbum do Ano. Mas que, em comparação aos outros indicados, não alcançou a mesma qualidade.

A verdade é que a declaração de Jay-Z apenas foi reforçada com uma seleção de ganhadores que continua a não dar o devido destaque a artistas negros. E, infelizmente, fica claro que esses músicos não tem nem a chance de boicotar a premiação, porque, diferente dos privilégios estruturais concedidos aos artistas brancos, eles precisam lutar por aquilo a que tem direito – e por vozes que precisam, mais e mais, de espaço no cenário mainstream.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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