Mais um ano está passando, quando 2016 se vê com metade do percurso percorrido. Para quem vive de assistir a filmes isto significa que muita coisa já passou por nossa vista, algumas despercebidas, outras marcando, seja positivamente ou negativamente. Isso significa também que chegou a hora para a famosa lista do meio de ano, na qual apresentamos o que de melhor e pior passou por nossas mentes e corações.
Antes de começarmos com a lista oficial, vale citar algumas menções honrosas, como os nacionais Mundo Cão, Reza a Lenda, Nise – O Coração da Loucura e Em Nome da Lei; os Oscarizáveis A Grande Aposta, Trumbo – Lista Negra e Carol; o francês Meu Rei (assistido no Festival Varilux deste ano); e ainda Ave, César, O Conto dos Contos, Amor por Direito e Conspiração e Poder.
Todos filmes citados variam de bom a excelente, mas não encontraram lugar entre os favoritos. Vamos à contagem.
Invocação do Mal 2
O diretor James Wan prova que um raio pode cair duas vezes no mesmo lugar, entregando a sequência do terror de maior sucesso mainstream e mostrando tanta qualidade quanto da primeira vez. Uma das melhores continuações de um filme de terror de todos os tempos, Invocação do Mal 2 é tão satisfatório quanto o original, desta vez movendo a ação para o Reino Unido.
O casal Warren (Patrick Wilson e Vera Farmiga), a força do original, está de volta, desvendando um novo caso envolvendo poltergeists, desde já icônicos. E o sentimento que fica é: quando sai o terceiro? Queremos para ontem.
Capitão América: Guerra Civil
A rival DC tirou Batman Vs Superman da disputa com Vingadores: Era de Ultron, movendo o blockbuster de 2015 para 2016. A solução da Marvel foi: fazer do terceiro Capitão América um Vingadores 2.5. Deixando de lado a polêmica e comparações com o filme da DC, vale dizer que Guerra Civil não é somente superior ao citado Era de Ultron, como entra para a seleta lista dos cinco melhores filmes da Marvel no cinema.
Deadpool
Por falar em filmes de heróis, o melhor do ano foi um que justamente tira sarro com o gênero. O filme do mercenário tagarela foi pura gozação, humor ácido do início ao fim, e deu ao ator Ryan Reynolds a redenção que precisava, afinal foram três bolas fora sequenciais no subgênero dos filmes de herói (Blade Trinity, X-Men Origens: Wolverine e Lanterna Verde, que vira alvo das piadas do incorreto personagem igualmente).
Junte a isso, uma excessiva quebra da quarta parede e o uso extensivo de metalinguagem, e temos o filme de herói mais original (se olharmos para a história central nem tanto) dos últimos tempos.
Sinfonia da Necrópole
De todos os filmes nacionais do ano, esta pequena pérola é o que merece espaço na lista, simplesmente por um fato: é a produção nacional mais criativa e diferenciada dos últimos anos (ou quem sabe de todos os tempos). Os filmes brasileiros costumam seguir uma fórmula de gênero e dificilmente escapam dela, desta forma temos amontoadas comédias bobas, romances e os típicos “filmes de bandidagem” (favela movies e afins) – ah, não podemos deixar de lado os pretensiosos “filmes sociais”.
Sinfonia da Necrópole esquece tudo isso e simplesmente cria, sem medo de se assumir. A jovem cineasta Julia Rojas investe no que acredita, sem pensar se atingirá o grande público massificado, coisa que seu parceiro usual, Marco Dutra, faz igualmente em suas obras. Dutra compõe algumas músicas deste musical (sim, você leu certo) fúnebre e totalmente inusitado, passado num cemitério. Esta é uma proposta que poderia ter dado muito errado, mas os envolvidos fazem dar certo, se empenhando em criar bons personagens, desenvolve-los com bons diálogos e boas interações, nunca passando do ponto, e, é claro, confeccionando músicas pra lá de divertidas. Sinfonia da Necrópole não é um filme brasileiro bom, é um filme bom. Este é um nacional que você precisa assistir.
Truman
Filmes de doentes e doenças podem descambar para a pieguice extrema se tornando insuportáveis. O espanhol Truman faz um trabalho tão bom no caminho inverso que pode ser considerado o melhor filme sobre o tema “câncer” de todos os tempos. Dirigido pelo espanhol Cesc Gay (um nome para ficarmos de olho) e protagonizado pelo argentino Ricardo Darín e pelo conterrâneo do cineasta Javier Cámara (simplesmente incrível aqui, geralmente é o companheiro de tela quem recebe todos os holofotes), o filme em momento algum pede para que sintamos pena de seus personagens.
Truman tem o coração e a mente no lugar certo, nunca deixando um sobrepujar o outro. É o equilíbrio perfeito entre os sentimentos que nos fazem existir como seres humanos, sem se tornar cínico ou cético demais. Acreditamos nestes personagens o tempo todo e embarcamos com eles por esta jornada, sem que nos caia a ficha de que estamos assistindo a um filme. Bem, meu amigo, quando isto acontece, os envolvidos em uma produção sabem que atingiram a nota certa. Corra e veja.
A Juventude
Ricardo Darín é um ídolo, considerado um dos melhores (ou o grande) atores de sua geração. Antes, no entanto, existia o britânico Michael Caine. Mas ao lembrarmos que Caine ainda está vivo, e ainda faz filmes do nível de A Juventude, a coisa se complica.
Dirigido pelo italiano Paolo Sorrentino, considerado por si só um dos grandes mestres do cinema atual, que parou o mundo em 2013 com A Grande Beleza, o novo trabalho do cineasta aponta para os mesmos temas de seu filme anterior, no entanto, com uma nova visão. O humor desta vez é mais abrangente e o filme um pouco menos artístico. Mesmo assim, muita beleza é retirada desta história sobre envelhecer e esperar a morte, seja a estética da parte técnica, ou a sutileza com a qual Sorrentino escreve, ao mesmo tempo dando tapas de luvas em cineastas e cinéfilos pedantes.
A Bruxa
Não basta ser um filme de terror para ser comentado. No caso de A Bruxa, este terror independente e extremamente artístico se tornou um dos filmes mais comentados dos últimos tempos, isto antes de sua estreia. O filme do diretor estreante Robert Eggers recebeu elogios prévios em suas primeiras exibições em festivais e chegou ao grande circuito (bem, quase) completamente enaltecido.
Foi o bastante para que o mundo, incluindo o Brasil, se voltasse para o filme e o esperasse com fervor. No entanto, como avisei em meu texto aqui mesmo no CinePOP, quando assisti ao filme em setembro passado no Festival de Toronto, este não é um terror para todos os gostos, e talvez seja inclusive mais recomendado para os fãs de cinema em si. Dito e feito, enquanto uma parcela do público e os críticos se banham em felicidade, muitos se recusam a aceitar a produção como sequer uma obra do gênero. É o preço a se pagar pela excelência.
O Regresso
E Leonardo DiCaprio finalmente levou seu Oscar. Além de uma das melhores atuações, dentre tantas, da carreira do astro, vale mencionar que O Regresso é o último filme do monstro Alejandro G. Inárritu. O que isso significa? Bem, Inárritu atingiu aquele patamar, que o coloca lado a lado com os deuses do cinema, e seus trabalhos irão para sempre perpetuar e serem estudados. Tá bom para você?
Qualquer história simples pode se transformar no melhor dos filmes desde que seja bem contada, e Inárritu costuma trabalhar muito bem o roteiro e estrutura de seus projetos. Aqui, é uma história humana de vingança que ganha os holofotes, quando um homem desafia a morte e vence, retornando para caçar o homem que matou seu filho e o deixou para morrer, tudo passado em 1820. Um tema tão rico e digno, que remete a clássicas histórias shakespearianas, e volta ainda mais no tempo. E pensar que a garotada só quer saber da Marvel…
Mogli – O Menino Lobo
Se você me dissesse ano passado que eu iria incluir na minha lista dos melhores (mesmo que da primeira metade do ano) este filme, eu provavelmente teria dificuldade em acreditar. O fato é que ninguém esperava que a reimaginação do clássico The Jungle Book, de Rudyark Kipling, em versão de carne e osso (e muito CGI) fosse ficar tão boa.
Tudo gira harmonicamente nessa engrenagem, fazendo os mais céticos tirarem o chapéu. Desde a escolha acertadíssima do protagonista (o carismático Neel Sethi – fiquemos de olho neste guri), passando pelas vozes empenhadas de gente como Bill Murray, Idris Elba, Scarlett Johansson e Lupita Nyong´o, até os efeitos especiais de computadores mais satisfatórios, digamos, desde Avatar (2009), tudo é sincronicamente perfeito nesta tocante história que usa como tema o significado verdadeiro da família. Mais um ponto para o eficiente diretor Jon Favreau. Fomos para a selva com Mogli e gostamos.
Creed – Nascido para Lutar
Assistimos a Rocky – Um Lutador (1976) e gostamos. Assistimos a Rocky II – A Revanche (1979) e , tá, até que gostamos. Assistimos a RockyIII – O Desafio Supremo (1982) e Rocky IV (1985) e nos divertimos horrores. Assistimos a Rocky V (1990) e não gostamos. Não merecíamos isso, como a saga de Rocky poderia terminar em uma nota tão amarga. Daí, assistimos a Rocky Balboa (2006) e novamente tivemos fé em Stallone, que deu a volta por cima com um final digno. Agora chega, né?
Chega nada, infeliz. Ninguém acreditava que Creed: Nascido para Lutar daria certo, afinal quem no mundo precisava de mais um filme de Rocky Balboa (mesmo que este fosse o coadjuvante), contando uma história muito parecida com a do filme original? Bem, todo mundo. Quando um filme é bem produzido, quando nele constam excelentes atuações, uma boa trilha sonora, boas cenas, bons diálogos, tomadas inacreditáveis e todos os componentes parecem interagir de forma cronometrada, nada mais importa. Somos arrebatados.
Anomalisa
Este ano tivemos diversas animações de qualidade, no entanto, a que conquista lugar aqui é esta animação adulta, saída da mente de Charlie Kaufman. Usando uma técnica de animação muito especial, que assemelha bonecos a seres humanos, nos confundindo em determinados trechos, o novo filme do cineasta é também sua obra mais adulta (que ironia), sem que de fato utilize elementos de fantasia (como em trabalhos anteriores, vide Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças e Quero Ser John Malkovich).
Na trama, apenas adentramos a mente de um homem, percorrendo todos os seus traumas e dificuldades de relacionamento. Pode soar estranho a princípio, mas é extremamente identificável. Fora isso, os detalhes são incríveis e o trabalho por trás da obra merece todos os elogios possíveis.
O Quarto de Jack
Outro filme do Oscar encontra lugar na lista. O Quarto de Jack é uma das obras mais emotivas da última temporada de premiações e funciona em variados níveis. Em seu núcleo é uma história sobre amor maternal, sobre o amor de um filho por sua mãe, e como esta relação simbiótica pode fortalecer e salvar.
Algumas mães ficaram preocupadas com o teor do filme, já que O Quarto de Jack possui também uma trama intensa, sobre sequestro e violência contra a mulher. Mas este elemento, mesmo que muito importante para o funcionamento do todo, não ganha o primeiro plano. Além disso, recebemos excelentes atuações, como a da “revelação” Brie Larson, que foi premiada pela performance, e fomos apresentados a uma nova definição de fofura, o mirim Jacob Tremblay.
Rua Cloverfield, 10
Na lista, muitos filmes inesperados viveram para nos satisfazer acima do que imaginávamos. Nenhum deles, no entanto, foi tão proveitoso quanto este suspense, que subverteu toda a expectativa em cima dele e entregou muito mais. O título revela um pouco, ainda mais pra quem conhece a produção homônima de 2008. Ou será?
De fato, o “novo” Cloverfield tem pouco ou quase nada em comum com seu original, conseguindo se manter como seu próprio produto, bem mais interessante, diga-se. Rua Cloverfield, 10 não é um filme para quem gosta de terror ou monstros. É um filme para quem gosta de suspense de gelar o sangue, para quem gosta de estudar a psique humana e seus abalos, para quem gosta de bom cinema e para quem quer ter uma aula de roteiro. As inúmeras reviravoltas brincam com a audiência, redefinindo o termo entretenimento – tão escasso num cinema atual que valoriza o barulho e a mesmice.
Gostou da lista? Comente e diga quais são os seus dez filmes preferidos de 2016 até o momento.
Antes de finalizar, vale outro pacote de menções honrosas, estas de filmes lançados diretamente no mercado de home vídeo (DVDs, Netflix, Now e canais da TV a cabo). Veja abaixo:
A Verdade Sobre Marlon Brando (Listen to Me Marlon), de Stevan Riley.
Confirmação (Confirmation), de Rick Fumuyiwa.
Descompensada (Trainwreck), de Judd Apatow.
Encontro Marcado (5 to 7), de Victor Levin.
Lições em Família (Wish I Was Here), de Zach Braff.
A História Verdadeira (True Story), de Rupert Goold.
Orgulho e Esperança (Pride), de Matthew Warchus.
Enterrando a Ex (Burying the Ex), de Joe Dante.
Hush: A Morte Ouve (Hush), de Mike Flanagan.
Bem-Vindos ao Meu Mundo (Welcome to Me), de Shira Piven.
As Vozes (The Voices), de Marjane Satrapi.
O Mistério de God´s Pocket (God´s Pocket), de John Slattery.
O Último Concerto (A Late Quartet), de Yaron Zilberman.
Calvário (Calvary), de John Michael McDonagh.
Segredos de um Crime (Felony), de Matthew Saville.
O Fim da Turnê (The End f the Tour), de James Ponsoldt.
A Última Aventura de Robin Hood (The Last of Robin Hood), de Richard Glatzer e Wash Westmoreland
Cara Gente Branca (Dear White People), de Justin Simien.