Por que ‘Pânico’, o original e o “requel”, são tão bons?

Já sabemos, ao menos aqueles que conhecem a franquia ou possuem o mínimo de conhecimento cinematográfico contemporâneo: quando lançado em 1996, ‘Pânico‘ foi um estrondo, fenomenal ao ganhar a crítica e o público aos poucos.

O subgênero slasher que na época, passava por um período de decadência, tendo em O Mistério de Candyman e O Novo Pesadelo: O Retorno de Freddy Krueger (também de Wes Craven), dois dos raros bons momentos do Slasher Tardio (etapa de continuações frias, posteriores ao advento do boom slasher dos anos 1980).

O roteirista Kevin Williamson, um profundo e confesso admirador Halloween: A Noite do Terror, conseguiu que seu texto chegasse ao criador de Freddy Krueger e um novo ícone do terror se estabeleceu: Ghostface. Assim começou uma rentável história. Pânico foi sagaz, diferenciado da maioria dos filmes deste segmento, numerosas referências típicas da cultura pop de sua década, com uma já clássica passagem de abertura com Drew Barrymore a responder questionamentos sobre Sexta-Feira 13, Halloween, A Hora do Pesadelo, dentre outros, um prazeroso feixe de diálogos que reverenciavam os fãs de filmes do tipo, geralmente destratados pela crítica especializadas, quase sempre a considerá-los “cinema menor”.

Interessante observar que a metalinguagem, nesta época, já tinha sido discutida no âmbito slasher não apenas no empolgante retorno de Freddy Krueger e suas reflexões sobre o filme dentro dos filmes e o impacto do cinema na sociedade, mas também no mediano Popcorn: O Pesadelo Está de Volta, de 1991, uma narrativa divertida e inteligente, mas sem a execução estilosa de alguém do calibre de Wes Craven. A trama apresentava ao público um grupo de personagens inseridos num cinema que decide exibir filmes para um festival de horror, organizado por jovens estudantes de cinema que aos poucos, se tornam vítimas de um assassino impiedoso, influenciado por obscuros segredos do passado.

Wes e Kevin, uma dupla que podemos chamar de dinâmica, alguns anos depois, retomaram com uma proposta metalinguística com um tom mais audacioso. Como resultado, entregaram um espetacular filme de horror com diálogos inteligentes, muitas referências e desempenhos dramáticos muito acima do que geralmente tínhamos no subgênero slasher.

Parte deste sucesso também se deu por conta do trio protagonista, composto por Sidney Prescott, Gale Weathers e Dewey Riley, interpretados por Neve Campbell, Courteney Cox e David Arquette, respectivamente, personagens que estão de volta na trama de 2022, grandes responsáveis pela coerência, coesão e respeitabilidade do renascimento da onda de crimes sangrentos em Woodsboro. Sem o trio, creio, este novo Pânico seria apenas mais um bom filme de terror com ressonâncias do legado da franquia, não excelente como acabou se apresentando. Agora, caro leitor, depois deste breve, mas acredito, elucidativo panorama, sigamos com o retorno de Ghostface no quinto filme.

Logo em sua já esperada cena de abertura, Tara Carpenter (Jenna Ortega) é a primeira vítima do psicopata. Ela atende ao chamado pelo telefone, mas percebe que as suas chances de sobreviver são remotas, pois desconhece as regras dos filmes questionados, afinal, a sua preferência é por narrativas como os superestimados A Bruxa, Hereditário, dentre outros, filmes que compõem a linha do que um determinado feixe de crítica contemporânea chama de pós-horror. Sua sobrevivência é incerta, afinal, o padrão é que as primeiras mortes sejam o aviso para o que pode vir em direção aos demais personagens. É uma passagem forte, violenta, talvez o ataque mais insano de todas as aberturas da franquia, ao menos no quesito deterioração do corpo alheio.

Os envolvidos no projeto, no entanto, preparam o público para uma surpresa. A jovem não morreu. Bastante debilitada, mas internada no hospital, o seu grupo de amigos logo arruma um jeito de avisar para a sua irmã, Sam Carpenter (Melissa Barrera), sobre o impiedoso ataque e, em seu deslocamento para Woodsboro. Pronto: o palco de tragédias está montado e a tenebrosa montanha-russa de emoções começa a ter os seus trilhos a se movimentar. Em sua estrutura inteligente, dinâmica, mordaz e ousada, a narrativa nos apresenta ao novo grupo de possíveis vítimas: Richie (Jack Quaid), Wes (Dylan Minnette), Mindy (Jasmin Savoy), Liv (Sonia Ammar), Amber (Mikey Madison) e Chad (Mason Gooding). Um deles (ou mais) pode ser o novo mascarado. Nós saberemos, ao passo que a trilha de corpos é estabelecida.

Assim, aqueles que morrem deixam de habitar a lista de suspeitos para se direcionarem ao necrotério, alvos dos já mencionados ataques impiedosos do assassino, assertivos graças aos efeitos de maquiagem supervisionados pelo eficiente Jeff Goodwin. Um deles, Vince (Kyle Gallner), um stalker valentão e perseguidor de uma das jovens do tal grupo, também figura como um potencial suspeito, mas ao passo que a narrativa deslancha, por seu vínculo com alguém da memória trágica de Woodsboro, logo pode deixar a mencionada lista de possível algoz para fazer parte da coleção de vidas ceifadas pelo psicopata. Como habitual, muitas reviravoltas conduzem o roteiro, tudo em prol do último ato, momento que atinge um nível elevado de insanidade (e qualidade), um dos melhores de toda a franquia com finais sempre ótimos.

Depois dos primeiros ataques, com a sensação de insegurança no auge, Sam procura Dewey e clama por um mentor. Isolado num trailer e ainda entristecido após a separação com Gale, o ex-policial da cidade faz o mesmo que Laurie Strode no começo de Halloween (2018): se nega diante do pedido de ajuda dos jovens, mas não demora, abre mão e decide ser um colaborador. Ele contata Sidney e manda mensagens de texto para a ex-esposa. Assustada e angustiada, a final girl logo aparece em Woodsboro, pois conforme a sua justificativa para o retorno, não conseguirá dormir enquanto não aniquilar o novo mascarado. Gale, sempre conectada com seus interesses profissionais, midiática, mas contida, agora âncora de um programa televisivo novaiorquino, também retorna para a cobertura dos assassinatos, sem deixar de se preocupar, claro, com o policial, um homem por quem ainda nutre sentimentos.

É com a chegada do trio que Pânico deixa de ser bom e se torna ótimo. Os veteranos exalam credibilidade ao tecido narrativo, pois nos conectam com o legado estabelecido por Wes Craven e Kevin Williamson em 1996, continuado em 1997, 1999 e 2011. Todos se propõem a travar uma intensa luta pela sobrevivência até o desfecho apoteótico, na mesma casa onde ocorreu o sangrento desfecho do primeiro filme, a residência de Stu, um dos psicopatas que ao lado de Billy Loomis, estabeleceu o horror em Woodsboro. O ex-namorado “monstro” de Sidney, por sinal, é uma figura que aqui ganha um retorno inesperado, por meio das alucinações de uma das personagens. Ele, cabe ressaltar, é parte sólida das motivações para o retorno dos crimes hediondos em Woodsboro. É o que o roteiro quer nos fazer acreditar. Será?

Judy (Marley Shelton), de Pânico 4, agora delegada, ressurge em alguns ótimos momentos da trama, com referências aos seus quadradinhos de limão, guloseimas que levava para Dewey no antecessor, alvo dos ciúmes da inquieta Gale Weathers. A proximidade estética e os demais aparatos de estruturação da narrativa, em especial, a montagem, conseguem se manter bastante próximos dos quatro filmes anteriores, acredito, por trazer de volta Marianne Maddalena, na posição de produtora executiva, cargo que divide com Kevin Williamson, membros que garantem uma nova versão para Pânico, ousada e irreverente, mas com ligações estéticas e dramáticas que estabelecem a devida correspondência com toda a franquia.

Martin Bettinelli-Olpin e Tyler Gillet, na posição de diretores, conseguem, com talento esbanjado, dar conta da função que assumiram. Eles possuem como guia, o roteiro de James Vanderbilt e Guy Busick, dramaturgos inspirados nos personagens e argumentos de Kevin Williamson.

Pânico traz uma nova equipe de realizadores, todos com suas próprias assinaturas, donos de um estilo peculiar, mas respeitosos com o legado audiovisual da franquia, também algo já mencionado. Na direção de fotografia de Brett Jutkiewicz, a grande diferença da vez é a estratégia de movimentação da câmera, com deslocamentos conseguem emular o sadismo e a ironia de Ghostface em seus movimentos atrevidos e sarcásticos. Para as mortes se tornarem mais impactantes, o design de som do Formosa Group faz questão de delinear cada golpe desferido diante dos ataques sangrentos.

O compositor Brian Tyler também entrega um bom trabalho, mesmo que não alcance a coesão sonora de Marco Beltrami, produzindo um som mais genérico, parecido com muitos outros filmes de terror, com seus metais e instrumentos de sopro em justaposição para criação de sons estarrecedores, conforme os violentos ataques de Ghostface. No design de produção de Chad Keith gerencia uma direção de arte preocupada com peculiaridades e uma cenografia envidraçada, própria para o estabelecimento da sensação de insegurança dos personagens.

Por fim, é bem quase certo que diante da nova empreitada, uma nova safra de filmes se estabeleça dentro da franquia. Espero, no entanto, que continuem honrando o patrimônio que é legado de Wes Craven, não é mesmo, leitores?

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