sexta-feira, abril 26, 2024

Artigo | ‘O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei’: Peter Jackson e a perfeição cinematográfica

Sabemos que tudo que é bom uma hora chega ao fim. E isso não seria diferente com a fantástica franquia O Senhor dos Anéis’. Entretanto, diferente do que podíamos pensar, seu tempo entre nós foi curto, durando apenas dois anos e conquistando milhões de fãs ao redor do mundo. Para concluir a trilogia, o diretor Peter Jackson deveria entregar-se de corpo e alma ao mundo arquitetado minuciosamente pelas hábeis mãos de J.R.R. Tolkien, canalizando toda a essência crítica e fabulesca para as telonas ao mesmo tempo em que manteria sua própria identidade fílmica. É claro que já mencionei tais aspectos em textos anteriores, mas aqui o trabalho seria ainda mais perigoso e árduo: afinal, estamos falando sobre os últimos esforços de Frodo Bolseiro e sua guilda de heróis para salvar o mundo das forças das trevas.

O resultado felizmente supera todas as expectativas: O Retorno do Rei’ não só emocionou o público e levou de forma merecida para casa onze estatuetas do Oscar, como também insurgiu como a obra-prima da carreira do cineasta – e não é por menos; em meio aos seus mais de 240 minutos de exposição cênica, ele nos apresenta a cada um dos aspectos que transformou a Terra-Média em um dos cosmos mais apaixonantes de todos os tempos, fazendo questão de fornecer a cada um dos vários personagens o seu momento de glória, sua complexa construção arquetípica e sua significação além do que poderíamos imaginar.

Mais uma vez, nos deparamos com sequências fragmentadas que eventualmente irão convergir em um enlace positivo ou negativo – ainda não sabemos o que esperar, para ser sincero. Seguindo os passos de A Sociedade do Anel’, o longa abre com um breve prólogo, protagonizado por dois pequenos hobbits que se deparam com um misterioso objeto enterrado no fundo do rio. Após trágicos acontecimentos, Smeagol (Andy Serkis) toma o anel para si e é consumido por um poder corruptível imensurável, isolando-se na escuridão das montanhas e transformando-se na criatura conhecida como Gollum – que já deu as caras nas iterações anteriores. É aqui o ponto-chave para compreendermos o que está por vir: chegou a hora de descobrir se a resistência conseguirá vencer as forças de Sauron e por fim aos conturbados últimos anos da Terceira Era.

Jackson retorna com a narrativa fragmentada, porém optando por uma perspectiva dupla: muitas coisas estão em jogo para que a multiplicidade seja irrefreável, e é justamente pensando nisso que temos duas linhas a serem acompanhadas. De um lado, Frodo (Elijah Wood) e Sam (Sean Astin) continuam na perigosa peregrinação através de Mordor, cruzando penhascos perigosos na companhia de Gollum para adentrar nos domínios das trevas e destruir o Um Anel. De outro, o exército dos homens se mobiliza para viajar até Minas Tirith, último local de levante humano que é ameaçado pelos orcs e seus aliados. Apesar dos momentos de luta já terem aparecido nos filmes anteriores, não havia nada que nos preparasse à epopeica construção que se desenrolaria nos atos seguintes.

O confronto de exércitos inimigos é certeiro, e o roteiro faz questão de maturar a ideia de uma gigantesca guerra desde o princípio. Após vencerem em Rohan, o grupo liderado por Théoden (Bernard Hill) e pelo real herdeiro de Gondor Aragorn (Viggo Mortensen) recrutam o último apoio antes de finalmente mergulharem num caminho sem volta que pode significar a extinção da raça humana da Terra-Média ou a sua vitória. As burocracias compulsórias são necessárias para compreendermos as relações de causa e consequência – tanto que Aragorn e seus companheiros Legolas (Orlando Bloom) e Gimli (John Rhys-Davies) não participam de todas as etapas do combate, chegando em seus últimos momentos com uma horda de desertores do além-mundo para auxiliá-los.

‘O Retorno do Rei’ traz uma história maravilhosa contada com detalhes impressionantes que honram o nome de Tolkien. Entretanto, ele não merece reconhecimento apenas por isso, e sim por representar a excelência em relação aos primores técnicos. Se Jackson conseguiu criar mágica nas obras anteriores, aqui ele supera a seus próprios limites ao não apenas orquestrar coreografias perfeitas e fluidas, mas por unir investidas artísticas e metodológicas em uma só atmosfera: cada frame se assemelha a uma pintura barroca pela composição paradoxal de luz e sombra, seja nos momentos de glória dos personagens, nos reflexivos ou nos derradeiros. Em adição, os enquadramentos e movimentos de câmera são tão fluidos que parecem dançar conforme seguem os guerreiros em suas tentativas de prevalecer perante a ruína iminente.

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O fim da trilogia pode ser resumido em três momentos cruciais que mostram o real significado da jornada do herói e como a irreversibilidade é crucial para completar cada um dos arcos. No primeiro, Sam conversa com Frodo e mostra que aceita sua morte, alcançando uma clareza epifânica ao dizer que não sabe se haverá caminho de volta para o Condado. No segundo, Eowyn (Miranda Otto) ousa ir contra a palavra de seu tio e parte para a guerra, levando Merry (Dominic Monaghan) consigo e mostrando como a força independe da raça ou do sexo: durante os momentos finais da batalha, os dois são responsáveis por destruir o Rei Bruxo de Angmar (Serkis de novo), o primeiro dos nove Nazgûl. O terceiro, talvez mais representativo que os outros, é aquele em que a paz volta a reinar, uma nova era se inicia e Aragorn, enfim coroado rei, se curva perante os hobbits, demonstrando respeito pela coragem e por salvarem o mundo.

‘O Senhor dos Anéis’ encontrou o final que merecia. Peter Jackson não apenas mostrou-se capaz como imortalizou uma das obras mais importantes da História da literatura, mesclando diversos gêneros em um épico filme que, sem cair num pedantismo desnecessário, representa um dos ápices da experiência cinematográfica.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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