terça-feira, março 19, 2024

Crítica | Netflix constrói uma inconsistente narrativa super-heroica com ‘O Legado de Júpiter’

Em 2013, Mark Millar e Frank Quitely lançavam o primeiro volume da aclamada série de quadrinhos intitulada ‘O Legado de Júpiter’, cujo sucesso rodou o mundo até cair nas mãos da Netflix, gigante do streaming que continua investindo em conteúdo original desde seu surgimento. A narrativa, centrada no primeiro grupo de heróis do planeta, mistura elementos de thriller, suspense e drama de uma forma original e que foca essencialmente na humanização do maniqueísmo costumeiro de super-humanos.

Já nos anos finais da década passada, a indústria do entretenimento contemporânea passou por uma reviravolta muito bem-vinda em tais histórias, que começou, de fato, com a estreia inesperada do ácido ‘The Boys’, que caminha agora para sua terceira temporada. O processo de desconstrução de personagens conhecidos por uma índole intocada foi colocada em xeque e conquistou o público de modo inenarrável, alastrando um legado para a animação adulta ‘Invincible’ e, agora, para a adaptação dos quadrinhos mencionados no primeiro parágrafo. O resultado, apesar de bastante divertido e empolgante, mostra-se aquém de suas conterrâneas por inconsistências técnico-artísticas espalhadas desde o episódio piloto até o season finale – mesmo com as boas intenções de um elenco de ponta.

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Erroneamente, o público pode ser levado a pensar que o primeiro ciclo, composto por oito capítulos, venha nos impactar de modo chocante, optando por retratos nus e crus daquilo que se esconde nas vidas privadas dos super-heróis. A verdade é que Steven D. Knight, nome por trás da releitura, pega algumas páginas de outras produções, como ‘Spartacus’ e ‘Círculo de Volta’, remodelando-as em uma tentativa de drama crítico que, no final das contas, não sai da obviedade. As atribulações se restringem, grosso modo, à forma como as discussões entre o que é certo e o que é errado são tratadas, procurando respostas antropológicas e sociológicas naquilo que reside no ser humano: Sheldon Sampson (Josh Duhamel), conhecido como Utópico, líder da União de heróis, acredita que ninguém merece morrer e que as decisões só podem ser tomadas após uma decisão justa, seguindo à risca diretrizes que intitulada de O Código. Porém, boa parte da comunidade que jurou proteger não concorda com o discurso defensor dos direitos humanos e condena as atitudes controversas de Utópico, acreditando que “uma bala na cabeça resolveria tudo”, como diz um dos policiais nos primeiros capítulos.

Acompanhando Sheldon, temos Leslie Bibb como Grace Sampson/Lady Liberdade, esposa fiel e um dos seres mais poderosos do universo que sempre o apoiou, mesmo em meio a protestos que exigiam a reformulação da União e de um drástico abandono à moral e à ética carregada pelos heróis. As coisas ficam ainda mais complicadas quando Brandon (Andrew Horton), filho mais velho do casal, acaba assassinando um poderoso vilão para salvá-los, colocando em xeque tudo o que vinham preservando e semeando dúvidas sobre a tênue linha que separa o bem e o mal; para completa a rompente família, há a rebelde Chloe (Elena Kampouris), cujos problemas paternais a fizeram romper com os super-heróis e a lançaram numa vida regada a drogas e a escolhas contestáveis.

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O problema é que, à medida que o enredo fica mais intrincado, tangencia um ciclo melodramático que não chega a lugar nenhum – nos deixando mais interessados pela origem dos protagonistas do que pelos contratempos enfrentados no presente. O roteiro, consistente sem sair da zona de conforto, por vezes se vale de inflexões intimistas inexplicáveis para explorar a loucura de Sheldon e a misteriosa presença de George (Matt Lanter), também conhecido como Skyfox, que o auxilia a enfrentar demônios interiores e a presença fantasmagórica do pai suicida. Condenando a prática predatória e falha do capitalismo, ainda mais por situar boa parte da história na época da quebra da Bolsa de Valores de 1929 nos Estados Unidos, é inegável que a relação realidade-ficção dos tempos de outrora é bem mais interessante.

Knight e seu time criativo faz o máximo para se afastar das fórmulas de gênero ao literalmente apresentar apenas uma sequência de ação pura em sete episódios. Ademais, vemos relances de outros heróis utilizando seus poderes para benefício próprio ou em situações de ódio, não pensando duas vezes antes de acabar um inimigo. Até mesmo Estrela Negra (Tyler Mane), que promete ser um dos principais antagonistas da temporada, é ofuscado por um suspense inconsolável e mais bem retratado na ancestralidade de Utópico, Lady Liberdade e todos os antecessores da nova geração; a arquitetura estética também dá ares de maior originalidade ao resgatar a euforia nova-iorquina pré-II Guerra Mundial com a animosidade perturbadora da paleta amarelada e da rendição à sobriedade angustiante que os guia para uma reviravolta catártica.

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Não deixe de assistir:

É inegável dizer que ‘O Legado de Júpiter’ cumpre, em certas partes, com o que promete – e diverte dentro de suas limitações. Entretanto, é necessário deixar claro que a série peca em uma circinal narrativa transbordante de coadjuvantes desnecessários e uma ausência de foco que nos deixa perdidos e com uma agridoce sensação de frustração.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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