sábado, abril 27, 2024

Dica do Fim de Semana | ‘Você Nem Imagina’ é uma incrível e apaixonante rom-com adolescente para você conferir

Ao longo dos anos, a indústria cinematográfica hollywoodiana resolveu investir em um nicho há muito rendido a estereótipos: os dramas e as comédias LGBTQ+. Resolvendo fornecer uma espécie de reparação histórica para figuras retratadas sem qualquer profundidade além de um arco vilanesco datado ou um escape cômico e forçado (ambas as incursões próprias dos anos 1990 e 2000). Felizmente, com a virada da década, o número de produções voltadas para e sobre a comunidade queer aumentou exponencialmente e, nas últimas semanas, chegou a vez do coming-of-age Você Nem Imagina’ ter o seu momento de brilhar.

Comandado por Alice Wu, diretora conhecida pelo aclamado drama Livrando a Cara’, a história é bastante simples e prática, pincelada com uma sutileza envolvente e apaixonante. Centrada em um inesperado triângulo amoroso entre uma nerd tímida, um atleta confuso e queridinha do colégio, o filme desenrola-se de modo bastante fluido em praticamente todos os seus atos, abrindo brechas para reflexões críticas acerca de religiosidade e sexualidade que mesclam-se em um interessante e provocante cenário. A protagonista e narradora ganha forma com Ellie Chu (Leah Lewis), uma garota que nunca se preocupou com incursões amorosas pelo simples fato de ser apaixonada por livros e filmes, crente de que os romances das páginas e das telonas são fruto de uma imaginação fértil demais para ser acreditada. O único parâmetro de amor verdadeiro que conheceu foi entre a falecida mãe e o pai, Edwin (Collin Chou), que acabou cedendo à dormência de uma vida cíclica por não ter prospecto de qualquer futuro – e Ellie, abrindo mão de um futuro glorioso, resolveu calcar sua vida numa restrição frustrante à estagnada cidade de Squahamish, escolhendo até mesmo uma faculdade perto de casa para não abandonar o pai.

Nesse meio tempo – e numa dura realidade socioeconômica -, ela lucra em cima de trabalhos que faz para os colegas de sua escola, que a tratam com invisibilidade e condescendência. Entretanto, as coisas mudam quando ela é abordada por Paul Munsky (Daniel Diemer), um jogador de futebol americano que não tem jeito com as palavras, mas é perdidamente apaixonado pela endeusada Aster Flores (Alexxis Lemire) e deseja mandar uma carta para ela convidando-a para sair. Paul pede a ajuda de Ellie, que utiliza todo o seu bruto conhecimento para uni-los em uma falsa conversa, apoderando-se de uma personalidade que não pertence ao seu mais novo cliente em prol de um final feliz. O problema é quando a protagonista, seduzida pela profundidade poética e quase ultrarromântica de Aster, passa a nutrir de sentimentos conflitantes que podem colocar em xeque tudo o que conhece – incluindo uma amizade recém-formada com Paul.

Wu alcança sucesso sem precedentes com uma direção coesa que ousa em vários momentos: afastando-se de tantas outras produções da Netflix que eram mais do mesmo, ela investe seus esforços em planos sequências acompanhados de uma fotografia impecável, quase onírica, auxiliada por um filtro translúcido que dialoga com a gélida atmosfera canadense. Sem se valer de obviedades, a paleta de cores transita entre a sobriedade excessiva e uma esquemática transição de arcos bastante funcional. Mais do que isso, ela também traz concepções clássicas, resgatando obras epistolares dos séculos passados para uma versão atualizada infundida com um espectro millenial comum às gerações mais jovens.

Enquanto a narrativa principal se desenrola com sólida credibilidade, o roteiro finca suas raízes nas rom-coms dos anos 2010 e aproveita o momento para revelar realidades que não são muito diferentes das que conhecemos. Seja em relação ao relacionamento-fachada de Aster com o insuportável e egocêntrico Trig (Wolfgang Novogratz), seja com a falta de oportunidades de imigrantes num local que beira a supremacia velada, cada criação do longa-metragem tem seu momento de glória, incumbido de representar uma parcela da sociedade como a entendemos. Em contraposição, as quebras de expectativa voltam-se para uma estética minimalista bem estruturada, utilizando acasos que, em qualquer outra obra cinematográfica ou seriada, se renderiam à impalpabilidade – como a ótima cena em que Aster e Paul estão em um encontro e Ellie tenta salvá-lo com sua ágil sabedoria.

Apesar das fórmulas existirem, elas estão ali por algum motivo; em outras palavras, grande parte das construções cênicas é imprescindível para a compreensão dos arcos e da resolução – que poderia ser um pouco mais vibrante que o corte final. Eventualmente, todos os protagonistas enfrentam-se em confissões que já eram premeditadas desde o começo. Mas o mais interessante é que Wu transforma essas sequências em um circense e chocante espetáculo ambientado praticamente no púlpito da igreja local. Logo depois, a diretora mostra suas tendências metalinguísticas, adornadas nos diálogos finais, e diegéticas, recriando com personalidade própria frames de filmes como A Mentira’, Clube dos Cinco’ e Gatinhas e Gatões’.

Não deixe de assistir:

‘Você Nem Imagina’ tem alguns deslizes óbvios, mas que são ofuscados por técnicas artísticas e atuações de enorme calibre. No final das contas, a iteração entrega mais do que promete e se torna uma comédia romântica que abriu com o pé direito essa nova e promissora década.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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