Crítica sem Spoilers | ‘Resident Evil: A Série’ aposta no melodrama em detrimento de uma boa história

‘Resident Evil’ é uma das franquias multimídia mais famosas de todos os tempos e, ainda que tenha iniciado com uma saga de jogos bastante aclamada pelo público e pelos especialistas, já deu origem a diversas adaptações animadas e live-action. A mais famosa delas foi estrelada por Milla Jovovich e estendeu-se por seis longas-metragens que introduziram uma personagem fora do cânone original, Alice, e, mesmo com a fraca recepção crítica, a franquia fez um sucesso gigantesco de bilheteria – arrecadando mais de US$1,2 bilhão mundialmente. Em 2021, os fãs apostaram fichas no reboot protagonizado por Kaya Scodelario, mas o resultado foi pior do que o esperado, nos deixando à deriva com a vindoura série supervisionada pela Netflix.

Na mais nova empreitada da gigante do streaming, os espectadores são apresentados a uma narrativa que se divide em duas cronologias: a primeira, revelada logo na cena inicial, é ambientada em 2036, em um futuro dominado por criaturas semi-mortas e monstros gigantescos que se escondem no subterrâneo. Aqui, Ella Balinska, que ganhou fama ao participar do reboot de ‘As Panteras’, interpreta a versão mais velha de Jade Wesker, uma das sobreviventes do apocalipse zumbi que dominou o mundo e que luta para voltar para casa – procurando uma forma de fugir da dominação autoritária da Umbrella Corporation, não ser assassinada por “comedores de cérebros” e escapar da Inglaterra para reencontrar-se com a família. Logo de cara, percebemos que ela não tem o objetivo de desmascarar ou destruir os responsáveis por ter disseminado o T-Vírus no planeta, e sim sobreviver a qualquer custo.

A segunda cronologia nos arremessa de volta para 2022, em que uma jovem Jade e sua irmã, Billie (Adeline Rudolph), se mudam para a Nova Raccoon City, na África do Sul, acompanhando o guru da nanociência Albert Wesker (Lance Reddick). E, à medida que tentam se adaptar a essa realidade diferente da que estavam acostumadas, ambas descobrem segredos obscuros que se escondem nas instalações da Umbrella – e são arrastadas para um antro de perigo e de experiências genéticas. E, como é de se esperar, as escolhas que ambas tomam quando mais novas ressoam de modo catastrófico e quase epopeico em um futuro dominado pela desesperança e pela falta considerável de qualquer prospecto.

Apontar um grande problema da série é um trabalho – visto que, em praticamente todos os âmbitos criativos, Andrew Dabb e sua equipe tropeçam. Por exemplo, temos a costumeira divisão mencionada nos parágrafos acima – que já se transformou em um recurso imediatista quando pensamos no cenário televisivo. O obstáculo a ser enfrentado não é a decisão de mostrar duas timelines diferentes, e sim o modo confuso com que são apresentadas: diferente de ‘Lost’ e ‘Once Upon a Time’, em que elementos visuais e sonoros se aglutinam como uma linha divisória, o corte entre uma e outra em ‘Resident Evil’ é imperceptível e por vezes demanda um trabalho excessivo e mecânico por parte da audiência para compreender o que está acontecendo.

O outro ponto conturbado é o roteiro: o primeiro episódio mergulha numa estrutura parlamentar de apresentar os personagens e dar o tom do enredo principal – motivo pelo qual leva mais tempo até encontrar um ritmo próprio. A ideia é mostrar como a unidimensionalidade geométrica da Nova Raccoon City, cuja construção embebida em um orgasmo simétrico deveria promover a segurança e a transparência, contrasta com a caótica distopia que o mundo viraria poucos anos depois, em que o próprio conceito de humanidade é colocado em xeque. Entretanto, não posso tirar mérito da articulação promovida pela história em demonstrar a profunda mudança do relacionamento entre Jade e Billie em momentos tão distintos.

Algumas sequências são de tirar o fôlego, como quando as irmãs invadem o laboratório do pai, ou quando Jade e outros sobreviventes enfrentam os lickers (criaturas outrora humanas que sofreram uma modificação genética impactante e se tornaram caçadores impiedosos) no subterrâneo. Porém, é inegável como é o elenco que faz o árduo trabalho de nos entreter ao longo dessa jornada, navegando pelas águas turbulentas de uma trama apressada e que não percebe o potencial infinito que reside a seu próprio redor – afinal, o show se apresenta como um drama pós-apocalíptico, mas esbarra nos convencionalismos de qualquer título do gênero que tenha saído na última década.

RESIDENT EVIL. (L to R) SIENA AGUDONG as YOUNG BILLIE, SIENA AGUDONG as YOUNG BILLIE in RESIDENT EVIL. Cr. NETFLIX © 2021

Até mesmo os efeitos visuais pecam em certos momentos, ainda que sejam tratados com mais cautela em investidas grandiosas – no segundo episódio, por exemplo, os truques com a luz impedem que percebamos a falta de cuidado com o design em CGI do cachorro-zumbi, isolando-o em um jogo entre preto e vermelho que transfere nossa atenção para a sinestesia atmosférica. A trilha sonora, por sua vez, mantém a estética tétrica vista em iterações predecessoras, misturando sintetizadores elétricos a cordas dissonantes – um aspecto clássico e bem utilizado dentro do projeto.

Centelhas de originalidade não conseguem fazer de ‘Resident Evil: A Série’ um produto instigante; apesar de tirar o fôlego em brevíssimos momentos, é notável como adaptar a saga de jogos para as telonas ou as telinhas já se provou inútil – visto que, até hoje, nenhuma produção baseada nesses games cumpriu com o prometido (e isso não é diferente com as boas intenções da Netflix).

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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